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Sergio Moro na mira
O ex-juiz e senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) é visto como a próxima vítima da perseguição contra a Lava Jato, depois da cassação do deputado e ex-procurador Deltan Dallagnol.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A confirmação da cassação do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) pela Câmara na última terça-feira (6) marcou o início da derradeira fase de desmonte da Lava Jato. A lista das próximas investidas contra a operação e seus protagonistas inclui pedidos de cassação do ex-juiz e senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), depoimento no Congresso de um dos maiores rivais dele e de Dallagnol e até a tentativa de abrir uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigá-los.

“O sistema trabalha não para combater a corrupção. O foco do sistema é: vingança contra quem ousou colocar na cadeia políticos corruptos. Foi assim na Itália e é assim no Brasil”, afirmou Dallagnol em suas redes sociais na quinta-feira (8), referindo-se ao desfecho similar da operação Mãos Limpas no país europeu.

Naquele mesmo dia, o ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato tinha sofrido mais um revés: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) resgatou uma condenação do Tribunal de Contas da União (TCU) contra Deltan, do ano passado, exigindo que ele ressarcisse os cofres públicos em R$ 2,8 milhões que foram pagos pelo Ministério Público em diárias e passagens áreas concedidas a procuradores que integravam a força-tarefa da Lava Jato.

O acórdão do TCU sobre o caso havia sido anulado pela Justiça do Paraná, sob o argumento de que Dallagnol não recebeu nenhum valor e também não era responsável pela liberação da verba. Contudo, a Advocacia Geral da União (AGU) pediu a anulação da sentença favorável ao então deputado, o que foi acatado pelo STJ por 6 votos contra 5.

Ainda na mesma semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli concedeu habeas corpus para o advogado Tacla Duran, inimigo da Lava Jato, participar de uma audiência na Câmara, convocada por deputados de esquerda. Tacla Duran, que hoje vive na Espanha, acusou Moro e Dallagnol de perseguição e extorsão, mas nunca apresentou provas que comprovassem suas alegações.

Moro havia solicitado a prisão de Tacla Duran em 2016, acusando-o de ser operador da Odebrecht. O caso voltou à tona neste ano, quando o então juiz da Lava Jato, Eduardo Fernando Appioatualmente afastado da 13ª Vara de Curitiba – revogou o pedido de prisão de Duran. Posteriormente, a ordem de prisão foi restabelecida pelo desembargador Marcelo Malucelli, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Com o habeas corpus, Toffoli garantiu que o advogado não seja preso ao vir ao Brasil para participar da audiência na Câmara.

O ministro do STF determinou ainda a suspensão dos processos envolvendo o empresário e ex-deputado paranaense Tony Garcia na 13ª Vara Federal de Curitiba e no TRF4, depois que ele acusou o senador Sergio Moro de usá-lo como "agente infiltrado" para "perseguir o PT". Garcia havia firmado um acordo de delação premiada em 2004, celebrado por Moro, mas que foi suspenso em 2022, a pedido do Ministério Público. O caso chegou ao STF depois que o juiz Eduardo Appioatualmente afastado da 13ª Vara de Curitiba por suspeita de ter ameaçado o filho de um desembargador do TRF4 – submeteu as denúncias contra Moro à Suprema Corte. O senador reagiu às acusações de Garcia, afirmando que seus relatos são mentirosos e sem amparo em provas.

Enquanto o cerco se fecha contra a Lava Jato, a imagem simbólica do atual momento de hostilidades foi a celebração da cassação de Dallagnol pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, ao lado do ex-ministro José Dirceu em Paris, fazendo o gesto do “L”, em referência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que em entrevista concedida em março revelou a sua obsessão por “ferrar” Sérgio Moro desde quando estava preso. Kakay disse que a operação não acabou e defendeu que o ex-procurador federal Dallagnol e o ex-juiz Moro sejam responsabilizados criminalmente.

Na opinião da constitucionalista Vera Chemim, os reveses sofridos no combate à corrupção são equivalentes à aplicação da “vingança privada” dos tempos primitivos, com a diferença de usar a estrutura estatal, incluindo os poderes públicos, para concretizá-la.

Para consagrar o clima de revanche, na quarta-feira (7), o mesmo ministro Toffoli negou o pedido da defesa de Dallagnol para suspender decisão do TSE que anulou seu registro de candidatura e determinou que Luiz Carlos Hauly (Podemos) seja empossado no lugar.

Moro defende mandato contra ataques vindos de várias frentes

Um dia após o TSE indeferir a candidatura e cassar o mandato de Dallagnol na Câmara, o senador Sérgio Moro teve conversa reservada em Brasília com o ministro Alexandre de Moraes, presidente do tribunal.

Moro enfrenta diversas frentes contra ele nos Três Poderes, que podem resultar na cassação do seu mandato no Senado. A principal é uma ação em andamento no TSE, movida pelo PL. Além disso, há pedido de instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar a Lava Jato, proposta no fim de março pelo deputado Washington Quaquá (PT-RJ). Caso a Justiça Eleitoral não imponha ao senador mesmo destino de Dallagnol, deputados governistas investirão no colegiado para cassá-lo. Há rumores também de que senadores e juristas ligados a Lula cogitam solicitar a cassação do ex-juiz no Conselho de Ética do Senado.

Quaquá, que é vice-presidente nacional do PT, argumentou ser necessário investigar supostos “crimes” cometidos pelo ex-juiz Sergio Moro, alegando que ele adotou métodos ilegais e criminosos na operação, além de a ter utilizado com fins políticos, causando danos à democracia, à economia e às instituições.

“Dallagnol já foi tarde. E como criminoso tentou se esconder na Câmara, contrariando a lei. Foi cassado e bem cassado”, comemorou Quaquá, em entrevista ao portal Metrópoles. "Estou reunindo assinaturas para a CPI, que terá como alvos Rosângela (Moro), Dallagnol e Moro. Moro, agora só falta você", acrescentou.

No requerimento de CPI, Quaquá também solicita a inclusão do juiz Marcelo Bretas, que comandou a Lava Jato no Rio de Janeiro, como alvo da investigação. Bretas já está enfrentando processo disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) relacionado aos seus despachos na operação tendo sido afastado das suas funções em março, em uma sessão secreta do CNJ. Para que a CPI seja aberta, o requerimento precisa obter 171 assinaturas de apoio e a autorização do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Mas nem só a esquerda está comemorando os reveses dos protagonistas da Lava Jato. Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, expressou seu apoio à cassação de Deltan Dallagnol, e ainda defendeu sanções contra Sergio Moro na Justiça Eleitoral.

Na segunda-feira (5), ele afirmou: “Eles (Dallagnol e Moro) ultrapassaram os limites da lei e vão pagar caro”. Ele acrescentou ser sua obrigação como presidente do partido defender Paulo Martins (PL), segundo colocado na eleição para senador no Paraná, vencida por Moro. Ele acredita que o senador poderá ter problemas na Justiça Eleitoral em razão de ter gastado com campanha para presidente da República antes das convenções partidárias. O PL é autor desta ação contra Moro.

De acordo com Eduardo Galvão, coordenador do MBA em Políticas Públicas e Relações Institucionais do Ibmec-DF, a Lava Jato cumpriu papel importante num momento histórico, em que o combate à corrupção era prioridade na agenda política da sociedade. “No entanto, a questão perdeu relevância diante de outras emergências que surgiram, como a pandemia e a inflação, que se tornaram as principais preocupações”, disse.

Conluio de poderes conseguiu extinguir a Lava Jato, diz jurista

Para juristas consultados pela Gazeta do Povo, o capítulo atual de ataques sofridos pela Lava Jato consagra o avanço da desforra dos condenados pela operação.

Vera Chemim, advogada especialista em direito constitucional e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que “o sistema conseguiu acabar com a Lava Jato, numa espécie de conluio entre os Poderes”, num esforço coletivo para resgatar o status quo de políticos envolvidos em crimes contra a Administração Pública.

Segundo ela, desde 2019 se previa a combinação de elementos nada convencionais para fechar o ciclo em que se tentou, inutilmente, oxigenar a administração pública. Ela teme, contudo que “os tentáculos da velha e antiga política estejam renascendo ainda mais fortes, a ponto de extirparem qualquer manifestação contrária à sua existência”.

Na atual conjuntura, ela destaca, logo após a ascensão do governo Lula, uma série de providências para eliminar o deputado Dallagnol na cena política, que deverão ser seguidas de outras tendo Moro como alvo. “O sistema ainda não contente pretende reunir todas as forças para tentar condenar penalmente os ex-protagonistas da Lava Jato, assim como tem anulado todos os processos decorrentes da operação, por meio de precedentes jurisprudenciais recentes do STF. “Tais pressupostos em conjunto com a polarização política nos permitem afirmar a Lava Jato já acabou”, disse.

Vera disse ainda que o país assiste à aplicação da “vingança privada” dos tempos primitivos, com a diferença de usar a estrutura estatal para concretizá-la. Paralelamente, observa-se a aplicação de um “direito penal do inimigo”, no qual o sistema transforma heróis em vilões, dando-lhes tratamento “especial” em relação aos demais cidadãos, relativizando ou mesmo eliminando direitos e garantias fundamentais. Assim, protagonistas e coadjuvantes da Lava Jato não estão protegidos pela Constituição, ao contrário de atores que “estavam envolvidos em atividades ilícitas e que agora integram a estrutura administrativa e política do Estado”.

O jurista Fabricio Rebelo, por sua vez, lembrou que a operação Lava Jato adquiriu contornos políticos que agora são determinantes para a perseguição sofrida por Moro e Dallagnol. “Infelizmente, parece mesmo que a Lava Jato, que deveria se restringir a questões jurídicas, descambou para uma abordagem política, sendo agora determinante de uma perseguição a quem esteve à frente da operação”, comentou.

Críticos da operação condenam supostos excessos e fins políticos

Para Cláudio Caivano, defensor de 15 manifestantes presos nos atos de vandalismo de 8 de janeiro, a Lava Jato está pagando preço elevado por suas próprias contradições. Segundo ele, a parte visível da operação foi “a luta hercúlea e justa contra a corrupção sistêmica, o crime de colarinho branco, o uso do erário público com fim particular”. Mas o que estava oculto, segundo ele, era o seu uso da lei com fim político, contra o devido processo legal e com o aval do STF, à época. “O legado da Lava-Jato está sendo destruído, juntamente com a democracia”, disse o advogado.

Em recente entrevista ao portal Perfil, o procurador-geral da República, Augusto Aras, expressou duras críticas à Operação Lava Jato, alegando que prejudicou negócios de importantes empreiteiras brasileiras, especialmente a Odebrecht, e resultou no desemprego em massa de três milhões de pessoas. Aras argumentou que a operação criminalizou a política e causou perdas significativas nos negócios e legados empresariais, os quais são difíceis de serem recuperados. Além disso, ele destacou que a Lava Jato permitiu que corporações estrangeiras ocupassem o espaço deixado pelo investimento em infraestrutura no país, ampliando a presença estrangeira.

As declarações de Aras foram rebatidas pelo procurador Rodrigo Chemim, em entrevista recente à Gazeta do Povo. "É um absurdo completo, quase como se sugerisse que não interferir na corrupção seria melhor, tolerando-a como se fosse a graxa da engrenagem econômica do país desde os anos 1970".

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