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A leitura da The Spectator dessa semana nos traz boas reflexões sobre a “era da impaciência” e seus impactos na política, tomando como base o estilo direto e pouco diplomático de Donald Trump. A forma com que o presidente americano lida com questões delicadas incomoda muita gente, em especial aqueles acostumados com uma etiqueta inspirada na imagem do gentleman, a gosto dos conservadores tradicionais. Mas o conteúdo do que ele diz merece mais respeito por parte não só de muitos conservadores, mas também de toda a elite intelectual e do establishment.

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O primeiro artigo que gostaria de destacar é “The lost art of patience“, de Jamie Bartlett, que fala justamente desse anseio por ação e soluções mais rápidas, típico da era moderna das redes sociais. O autor começa reconhecendo que também é vítima dessa impaciência, que não consegue mais esperar por coisas banais como fazia antigamente. No passado, a paciência era mais do que uma virtude; era um hábito necessário, pois as coisas realmente demoravam mais. A espera era parte inerente da vida. Hoje temos dificuldade de imaginar como sobreviver sem um Google Maps ou Waze e se ficarmos perdidos por alguns minutos isso já é motivo de revolta.

A conveniência dos aplicativos modernos é inegável e tem sua incrível utilidade, mas Jamie argumenta que há o lado negativo nisso tudo: estamos com o temperamento mais irascível, e preguiçosos. Vários estudos mostram como muitos curtem e compartilham artigos que sequer leram, para dar um exemplo. Se um site demora um pouco para baixar já desistimos e seguimos em frente, rumo a outra tarefa qualquer. Nos Estados Unidos, o tempo total de leitura nos fins de semana caiu seis minutos na média, para 21 minutos, na década até 2015. O autor faz, então, um elo dessa impaciência com a política:

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A morte da paciência também significa a morte da política, já que a política deve ser um exercício de tolerância e frustrante contemporização. “O primeiro requisito da política não é o intelecto ou a estamina”, escreveu o ex-primeiro-ministro John Major nos tempos glaciais do final dos anos 80, “mas paciência”. No entanto, a internet está inculcando novas hipóteses sobre como as coisas devem funcionar. Tudo online é rápido e personalizado: acesso a tudo e a todos, a milhões de páginas da web, todos os objetivos, todas as fotos de bebês e tudo de graça. Você aumenta o zoom, reduz o zoom, desliza, bate papo instantâneo com um parente distante. Como Douglas Rushkoff explica em seu recente livro Present Shock, no mundo moderno “o que estamos fazendo em determinado momento torna-se a única coisa importante”. Pensar profundamente sobre o passado ou o futuro não é um fator considerado.

Há muitas razões para se aborrecer com a política, mas uma delas é o abismo em rápida expansão entre a escolha, a liberdade e a velocidade que caracterizam nossas vidas como consumidores, e o tedioso mundo de procedimentos e legislação parlamentar. Quando você está acostumado a ter tudo imediatamente, não conseguir o que quer parece ser uma afronta.

Para Jamie, o grupo que se beneficia dessa mudança é o dos populistas, que se colocam contra a política em si, como “outsiders”, e que prometem soluções mágicas para “ontem”. Alguns são de esquerda, outros de direita, mas todos se alimentam desse impasse, ao ofertar medidas simples para problemas complexos, como se não houvesse necessidade de espera ou paciência para resolve-los. Se centristas são tradicionalmente os partidos da cautela e da contemporização, os populistas são o Tinder da política: vá para a esquerda ou a direita e encontre logo o que você deseja. O autor conclui:

A política não pode sobreviver por muito tempo se estiver fora de sintonia com o mundo em que opera. À medida que o mundo se torna – como certamente será – cada vez mais rápido e mais suave, ou a política precisa acelerar ou todos nós teremos que desacelerar. Ou alguém terá que chegar a um meio-termo, rápido.

A esquerda historicamente teve a quase hegemonia desse populismo, mas temos visto um crescimento à direita nos dias atuais. Um exemplo é inglês mesmo: o Ukip, partido de Nagel Farage, que teve influência no Brexit. Em sua coluna na revista, James Delingpole, autor de Melancias, prevê que o Ukip terá uma grande reviravolta graças à apatia incompetente de Thereza May. Isso tem atraído estrelas das redes sociais para o partido, com suas pitadas de humor e seu estilo histriônico, seduzindo milhões de seguidores. É o caso de Paul Joseph Watson, que tem vídeos polêmicos com enorme alcance, ou Milo Yannopoulos, o afetado libertário que incendeia a plateia por onde passa.

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O que esses e outros do tipo estão dizendo faz sentido, diz Delingpole, é razoável, tem lógica e foi processado após reflexão. Todos defendem a liberdade de expressão num mundo cada vez mais censurado pelo politicamente correto. Eles alertam que a democracia liberal está ameaçada e que nenhum partido tradicional faz algo para preserva-la. Fazem um diagnóstico mais acurado da realidade do que a imensa maioria dos políticos tradicionais. E fazem isso num estilo mais “bufão”, com dinamismo e forte apelo para as pessoas cansadas do tédio ou das mentiras na política. A marca registrada dessa gente é o papo reto, sem rodeios, com uma mensagem direta que diz o que deve ser dito. E por isso Delingpole espera que a ida deles para o Ukip vá resultar em apoio crescente para o partido:

Ao receber essas novas vozes, o Ukip subitamente se transformou de um grupo profundamente embaraçoso de velhos engraçados e irrelevantes em terríveis gravatas roxas em uma potente força de revolução. Como o AfD da Alemanha ou seus equivalentes populistas da Itália à Suécia, o Ukip agora poderia se tornar o grupo de rebeldes inteligentes demais para votar em socialistas, cansados demais e traídos para votar novamente no mainstream. Eu não culpo Nigel Farage por ser tentado a reencontrar essa força revitalizada como líder.

O que acontecerá a seguir dependerá de como os conservadores lidam com essa crise de liderança. Se a forma passada disser alguma coisa, eu diria que o Ukip é uma “compra”.

Ou seja, ele acha que o Ukip vai crescer bastante. Fazendo uma analogia com uma ação em bolsa, vai subir de preço. E em boa parte por estar mais sintonizado com o público na era moderna, da impaciência e do “papo reto”.

O mesmo fenômeno explica a ascensão de Trump ao poder nos Estados Unidos. E aí entra o terceiro e último texto que queria destacar, o próprio editorial da tradicional revista conservadora britânica, que reconhece o estilo condenável e nada diplomático de Trump, mas admite: o que ele diz sobre a Otan ou o Brexit está certo!

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Ao usar o Twitter como instrumento, criticando a primeira-ministra britânica antes de sua visita, Trump pode demonstrar falta de educação ou tato diplomático, mas isso não quer dizer que sua mensagem esteja equivocada. A The Spectator dá um exemplo:

No entanto, apesar de toda sua arrogância e ofensividade, Trump muitas vezes tem um ponto. Tomemos, por exemplo, o que ele tuitou na terça-feira, pouco antes de chegar à cúpula da Otan em Bruxelas: “A União Européia torna impossível para nossos agricultores, trabalhadores e empresas fazerem negócios na Europa (os EUA têm um déficit comercial de US $ 151 bilhões), e então eles querem que nós, felizes, os defendamos através da Otan e que paguemos bem por isso. Simplesmente não funciona!

É difícil encontrar uma falha no raciocínio. O establishment europeu ataca Trump por conta de sua “guerra comercial”, mas ao mesmo tempo ignora a guerra comercial que alimenta há décadas com seus subsídios e protecionismo no setor agrícola. Trump é aquele que aponta para o rei e diz que ele está nu, esfrega a hipocrisia na cara dessa elite esnobe. Os métodos, repito, podem ser condenáveis, mas o conteúdo é verdadeiro.

Por isso a The Spectator reconhece esse aspecto positivo de Trump: ele é um “disruptivo”, alguém que chegou para abalar as estruturas carcomidas. Ele diz aquilo que outros evitaram dizer, mas que precisa ser dito. A revista conclui:

A maneira de Donald Trump de fazer as coisas não é bonita ou edificante. Pode nem sempre funcionar e traz enormes riscos. Mas muitos dos seus críticos simplesmente não o entendem ou o seu apelo aos eleitores americanos. Ele foi eleito não apesar de sua natureza abrasiva, mas por causa disso. Os eleitores americanos queriam que alguém sacudisse a complacência de seu establishment político – nos assuntos internos e externos – e é exatamente isso que eles conseguiram. É uma pena que nossos próprios líderes não tenham um traço disruptivo similar neles. 

Em resumo, vivemos em tempos mais impacientes, e isso tem impacto na política. Populistas se aproveitam disso para atacar todo o sistema democrático imperfeito, lento, ineficiente, e oferecer soluções fáceis. Esse sempre foi o jogo da esquerda. Dessa vez a direita aprendeu a joga-lo também. Mas com uma importante distinção: os populistas de direita estão tocando na ferida, falando a verdade, e por mais que não tenham respostas infalíveis para os problemas que apontam, ao menos estão tendo a coragem de não fingir que eles não existem, não os colocando para baixo do tapete como fazem os líderes do establishment.

Quanto mais distante for o discurso dos políticos tradicionais da realidade percebida pela população, mais esta vai se virar para os “fanfarrões” da direita que “tocam a real”, mesmo os que apresentam, em vez de propostas concretas e factíveis, apenas frases de efeito, slogans emocionais e receitas populistas. O melhor exemplo veio após a vitória da França na Copa do Mundo, com o caos imposto por imigrantes em Paris e outras cidades. Muitos preferiram simplesmente ignorar esse lado do “multiculturalismo”, escondendo a notícia. O povo sentiu nas ruas e viu nas redes sociais as cenas chocantes. Em quem essas pessoas vão votar depois? Naquele que diminuiu o problema com a retórica empolada, ou naquele (ou naquela) que acusa a própria classe política e a imigração descontrolada pelo inferno instaurado em seus quintais?

Rodrigo Constantino