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Operação “Carne Fraca” contra frigoríficos mostra risco de captura do estado
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A Escola de Virgínia, também conhecida como “Escolha Pública” (Public Choice School) ou “Falhas de Governo”, tem uma das abordagens mais eficazes contra o intervencionismo. Não é ideológica, não tenta pregar o liberalismo como um dogma. Simplesmente argumenta teórica e empiricamente sobre as falhas de governo, ao lembrar que políticos são também seres humanos imperfeitos, sujeitos às mesmas paixões. É, nesse sentido, uma ducha de realismo para românticos iludidos com Rousseau.

E uma das lições mais importantes dessa escola realista é o risco de “rent seeking”, ou seja, mostrar como grandes empresas vão sempre tentar usar o aparato governamental inchado para impedir a concorrência ou para conquistar privilégios. O conluio entre grandes empresas e políticos e burocratas será frequente, uma vez que o homem é o que é, não um santo abnegado e incorruptível, mas um “anjo caído” suscetível às tentações do diabo. O mecanismo de incentivos importa, e muito.

Pois bem: a notícia de hoje da nova operação da Polícia Federal, batizada de “Carne Fraca”, ilustra com perfeição esse fenômeno. O alvo da vez foi o setor de frigoríficos, e o esquema contava com agentes do governo para garantir benesses e impedir a devida fiscalização. Quando se criam regras demais, arbitrárias e muitas vezes inviáveis de serem cumpridas na íntegra, o caminho está aberto para os esquemas que favorecem os grandes, e matam os menores. O governo cria dificuldades legais, e vende facilidades ilegais depois. Quem pode pagar mais? Os grandões. É o que aconteceu:

A Polícia Federal deflagrou nesta sexta (17) a Operação Carne Fraca, com foco na venda ilegal de carnes por frigoríficos, e deverá cumprir 38 mandados de prisão.

Alguns dos principais frigoríficos do país estão na mira da operação, como BRF, JBS e Seara. A Justiça Federal do Paraná determinou o bloqueio de R$ 1 bilhão das investigadas.

O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, também é citado na investigação. Ele aparece em grampo interceptado pela operação conversando com o suposto líder do esquema criminoso, o qual chama de “grande chefe”.

O objetivo é desarticular uma suposta organização criminosa liderada por fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura, que, com o pagamento de propina, facilitavam a produção de produtos adulterados, emitindo certificados sanitários sem fiscalização.

A investigação revelou até mesmo o uso de carnes podres, maquiadas com ácido ascórbico, por alguns frigoríficos, e a re-embalagem de produtos vencidos.

[…]

A investigação aponta que os frigoríficos exerciam influência direta no Ministério da Agricultura para escolher os servidores que iriam efetuar as fiscalizações na empresa, por meio do pagamento de vantagens indevidas.

[…]

“É um cenário desolador”, afirma [o juiz Marcos] Josegrei. “Resta claro o poderio de intimidação, de influência e de uso abusivo dos cargos públicos que ostentam para se locupletarem, recebendo somas variáveis de dinheiro e benesses in natura das empresas que deveriam fiscalizar com isenção e profissionalismo.”

De acordo com a Receita Federal, que também participa da investigação, os fiscais valeram-se de distribuição de lucros e dividendos de empresas fantasmas, da montagem de redes de fast food em nome de testas de ferro e da compra de imóveis em nome de terceiros para esconder o aumento de patrimônio.

[…]

O esquema, ainda segundo os investigadores, funcionava por meio de agentes públicos que se utilizavam do poder de fiscalização para cobrar propina e, em contrapartida, facilitar a produção de alimentos adulterados, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização.

Dentre as ilegalidades praticadas pela suposta quadrilha está a remoção de agentes públicos com desvio de finalidade para atender interesses dos grupos empresariais.

O nome “Carne Fraca” da operação faz alusão à conhecida expressão popular em sintonia com a própria qualidade dos alimentos fornecidos ao consumidor por grandes grupos corporativos do ramo alimentício.

A expressão popular também mostra “a fragilidade moral de agentes públicos federais que deveriam zelar e fiscalizar a qualidade dos alimentos fornecidos a sociedade”.

Pois é, caro leitor, o “seu” Lineu, da “Grande Família”, é uma personagem de ficção, coisa muito rara na vida real. Por isso o importante não é tanto colocar “as pessoas certas” com tanto poder, mas sim criar “os mecanismos certos” de incentivos, reduzindo o poder arbitrário dos governantes, já que o poder corrompe.

O nome da operação, como de praxe, foi muito feliz. “Carne fraca” remete diretamente a esta falibilidade humana a que todos estamos sujeitos. Por isso é fundamental parar de sonhar com santos e passar a defender modelos criados para seres humanos reais, de carne e osso, imperfeitos. Utopias são infantis.

Não há saída fácil para isso. Alguma fiscalização deve existir, apesar de o próprio mercado ser o melhor fiscal a longo prazo. Adulterar produtos é fraude, crime, e a punição legal deve ser severa para quem engana o consumidor dessa forma, colocando sua saúde e sua vida em risco.

Mas a lição relevante aqui é esta: desconfiar sempre dos poderosos do lado de lá, do governo. Pois muitos falam o tempo todo em “falhas do mercado”, mas adoram ignorar as “falhas do governo”, muito maiores, mais frequentes e mais graves. Brasileiro, então, adora endeusar o estado, como se fosse um ente formado por alienígenas ou santos, seres clarividentes e altruístas.

“Se ao menos o cara certo assumir esse poder todo e fizer o bem…”, pensam, abrindo caminho para os “mitos” salvadores da Pátria, para os “machões” candidatos a déspotas esclarecidos que vão consertar tudo de cima para baixo. Lamento, mas não funciona assim. E a Public Choice School talvez seja a melhor ferramenta para explicar o motivo.

Enquanto não entendermos essa lição básica, continuaremos a ser esse oceano de putaria cercado por pequenas ilhas de decência.

Rodrigo Constantino

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