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Ser “poser” politicamente correto é muito cansativo mesmo
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Tati Bernardi, colunista da Folha, escreve colunas engraçadinhas, sempre com viés “progressista”. Já atacou a família tradicional algumas vezes, inclusive seu primo “reacionário”, de forma um tanto deselegante. Mas na coluna de hoje deixou transparecer um lado conservador reprimido.

Ela disse que gostaria de ver o marido ajudando mais no vazamento da área de serviço (feministas aguentam até a página 3 o homem sensível e poeta), e aturou a mãe contando as mesmas histórias por quase 20 minutos no telefone, apesar da vontade de mentir e desligar. Fazemos tais coisas pela família mesmo, Tati, faz parte.

Em seguida, porém, vem o principal: a confissão de que está cansada de bancar a “legal”, de ser uma “poser” nas redes sociais:

No Facebook, se eu tivesse mesmo atitude, faria um daqueles banners com corações cor-de-rosa e escreveria “sobre o mundo: não me importo tanto assim”. Sabe, redes sociais, eventos sociais e biscoitos Club Social: a real é que estou chocada com a censura, abalada com a política, arrasada com o terrorismo, mas tenho “mais uma tentativa de nunca morrer” agendada às cinco. Essa obsessão pela pele, pelo fígado, pela bula. A minha derrocada, a minha falência, é o que na verdade toma profunda e exclusivamente meus pavores. O egoísmo num banner, em caixa alta, só isso.

Sim, Tati, desde Adam Smith as pessoas honestas reconhecem que se importam mais com suas coisas do que com as abstrações como o “Povo”. Em Teoria dos Sentimentos Morais, Smith imagina a reação típica das pessoas diante de uma tragédia ocorrida em algum lugar distante, digamos a China. Primeiro, tristeza e consternação verdadeiras pela nossa empatia, por podermos nos projetar no lugar daquelas pobres vítimas. Depois, alguma reflexão filosófica sobre a fragilidade da vida ou algo assim. Em seguida, vida que segue. Continuamos nossos afazeres com certa naturalidade.

Se não fosse assim, seria insuportável viver. Ainda mais na era das redes sociais. Já pensou quanta desgraça ocorre o tempo todo em algum lugar do planeta? Viveríamos choramingando pelos cantos, em depressão e profunda melancolia. Temos empatia em nós, os que não são psicopatas, mas há um limite, contrabalançado pelo nosso egoísmo natural. O mesmo sujeito não conseguiria dormir se soubesse que no dia seguinte perderia seu dedo mindinho. É como somos. “It is what it is”, dizem os realistas.

“Esse restaurante arrogante caríssimo metidíssimo é um engodo, um lixo, é o que eu gostaria de cuspir, pichar com a minha bile, em vez de pertencer ao clubinho dos obcecados em engolir ‘o novo point'”, continua Tati, demonstrando como é cansativo bancar a moderninha, acompanhar os modismos só porque é o que os outros esperam de você. Afinal, ninguém quer ser a caipira sem refinamento, que prefere um suculento bife com fritas ao gafanhoto com espuma de caviar que custa R$ 100, não é mesmo?

Tratei disso en passant em Esquerda Caviar, tomando como base a personagem de Judie Foster em “Deus da Carnificina”:

O filme Deus da carnificina, de Roman Polanski, é uma sátira à hipocrisia do politicamente correto, com Judie Foster fazendo o papel de uma típica representante da esquerda caviar, que se coloca sempre acima dos outros no campo moral.

Ela é capaz de tudo perdoar em nome da “civilização”. É tão descolada que até passou sua lua de mel na Índia! Mas, em certo momento, desabafa: “Por que tudo tem que ser sempre tão exaustivo?”. Usar sempre aquela máscara cansa.

A personagem abraça as causas das pobres crianças africanas, mas, no fundo, esconde seu ódio a tudo aquilo em volta, seu recalque à sua vida medíocre com seu marido acomodado, um simples vendedor de latrinas sem ambição. Eis como Pondé resume a figura em um artigo sobre o filme:

Ela escreve livros sobre Darfur e a miséria na África e, em meio a seus berros contidos de histérica, ela decreta que quem não se preocupa com a pobreza mundial não tem caráter. Tenta passar a imagem de que ama e perdoa a todos, inclusive o filho da Winslet que bateu em seu filho, mas no fundo é uma passiva agressiva, aquele tipo de mulher descrita por Woody Allen, que fala baixinho, mas fere fundo com sua saliva venenosa e cruel.

Em certo momento, o marido afirma que o “amor” que ela sentia pelos negros do Sudão tinha estragado tudo nela. É uma tirada ácida, mas que aponta para essa característica da esquerda caviar com perfeição. Ela “amava” os pobres distantes, mas isso era pura hipocrisia, uma forma de entorpecimento próprio. A esquerda caviar usa a “preocupação” com a desgraça alheia como troféu de sua suposta superioridade moral. As minorias oprimidas são seus mascotes.

Outro que sempre atacou sem dó nem piedade essa gente “poser” é Tom Wolfe. Em Sangue nas veias, ele tira sarro dos modismos, de quem precisa ir no lugar badalado para “ver e ser visto”, ou simula profundo respeito por lixo tratado como obra de arte. O rei está nu, mas essa turma se recusa a aceitar a realidade.

Céus, como deve ser cansativo bancar o descolado moderninho o tempo todo! Como deve exaurir fingir que o mico-leão-dourado é a maior preocupação de sua vida! Um pouco mais de genuinidade não faz mal a ninguém. Claro, sem esquecer que somos “animais políticos”, como dizia Aristoteles, não brutos incapazes de qualquer freio entre o estímulo e a resposta.

Mas esses freios civilizacionais, que chamamos de educação, não precisam ser uma máscara tão pesada, um fardo insuportável, uma camisa-de-força que altera tanto a nossa imagem a ponto de torná-la irreconhecível diante de um espelho. Saia do armário “progressista”, Tati!

Rodrigo Constantino

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