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Contas nacionais do quarto trimestre de 2020: poderiam ter sido piores
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Por Roberto Ellery, publicado pelo Instituto Liberal

O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao quarto trimestre de 2020. A recuperação da queda causada pela Covid-19 no primeiro semestre de 2020 aparece nos números do PIB. Em relação ao trimestre anterior, o PIB cresceu 3,2%. O alto valor do crescimento faz parte do mesmo movimento que levou à queda recorde de 9,6% no terceiro trimestre e ao crescimento, também recorde, de 7,7% no terceiro trimestre.

Assim como as quedas no primeiro trimestre de 2020, os crescimentos do terceiro e do quarto trimestre dificilmente podem ser analisados na perspectiva da dinâmica de crise e recuperação que costumo usar nos posts sobre contas nacionais. O máximo que pode ser feito é entender como será a recuperação da crise causada pela pandemia e tentar especular sobre como esta recuperação pode afetar a dinâmica da economia brasileira na ótica das contas nacionais.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996. As barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado, houve uma queda de 4,1%, o que mostra que, apesar do crescimento no segundo semestre, a crise do Covid-19 ainda não está no retrovisor.

Como é tradição no blog, a análise será feita pelo lado da produção; a análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é interessante para entender como foi a distribuição do PIB. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres, a agropecuária, que no quarto trimestre de 2020 respondeu por 4,8% do valor agregado e 4,1% do PIB, cresceu 1,8%; o setor de serviços, 74,9% do valor agregado e 63,4% do PIB, teve uma queda de 4,5%; finalmente, a indústria, que responde por 20,3% do valor agregado e 17,2% do PIB, teve uma queda de 3,5%. Na comparação com o trimestre anterior, a agropecuária teve queda de 0,5%, a indústria teve crescimento de 1,9% e nos serviços o crescimento foi 2,7%.

No acumulado de quatro trimestres, a construção teve queda de 7,0%. Na indústria de transformação, a queda foi de 4,3%. Ao contrário de outros períodos, quando a queda na indústria de transformação podia ser vista como parte da arrumação de casa após a sequência de investimentos questionáveis, para dizer o mínimo, da primeira metade da década, esta queda reflete o impacto da pandemia no setor. A indústria extrativa teve crescimento de 1,3%. Na comparação com o trimestre anterior, a construção teve queda de 0,4%, a indústria extrativa caiu 4,7% e a indústria de transformação cresceu 4,9%. Vale registrar que, no quarto trimestre de 2020, a indústria extrativa correspondeu a 16,4% da indústria total, a construção a 14,7% e a de transformação a 55%.

Nos serviços o maior crescimento ficou por conta do setor de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados que cresceu 2% no acumulado de quatro trimestres, também de 2,5% nas atividades imobiliárias. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social teve queda de 4,7%., as maiores quedas foram de 9,2% no setor de transportes e 12,1% em outras atividades de serviços. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na comparação com o trimestre anterior apenas o setor “Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados” registrou queda. Mais uma vez o crescimento faz parte do mesmo movimento que causou a queda no trimestre anterior.

Por fim, passemos à análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento, a parte do produto destinada a criar mais produtos no futuro, teve queda de 0,8% no acumulado em quatro trimestres. Em tempos normais, isso seria preocupante, pois sugeriria redução da capacidade de produção nos próximos períodos e pouca confiança no futuro da economia; em tempos de pandemia, o resultado pode até ser visto com algum otimismo. Na comparação com o trimestre anterior, o investimento cresceu 20%.

O consumo das famílias caiu 5,5% e o consumo do governo caiu 4,7%, ou seja, no acumulado de quatro trimestres a fatia do bolo que vai para as famílias caiu mais do que a fatia que vai para o governo. As exportações caíram 1,8% e as importações caíram 10%. Na comparação com o trimestre anterior, o consumo das famílias cresceu 3,4%, o consumo do governo cresceu 1,1%, as exportações caíram 1,4% e as importações tiveram aumento de 22%.

Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017, mas sugerem uma rápida recuperação em relação à queda causada pela própria pandemia. Essa recuperação pode ter sido comprometida pelo recrudescimento da pandemia no primeiro trimestre de 2021. De fato, o comportamento da economia depende essencialmente dos rumos da pandemia. Sem uma campanha de vacinação em massa, só um milagre pode nos tirar da crise.

Para ter crescimento de longo prazo, o governo precisaria liderar uma sólida agenda de reformas, algo que parece cada vez mais distante – por exemplo, a abertura da economia, que já foi chamada de mãe de todas as reformas, nem aparece mais nas conversas sobre os rumos da economia. Continua valendo que, se o governo partir para políticas de estímulos turbinadas por planos como o Pró-Brasil, Casa Verde e Amarela e uso de estatais, podemos até ter bons números no curto prazo, ainda assim condicionados à dinâmica da pandemia, mas começaremos outra caminhada em direção ao abismo. A disparada dos preços no atacado, levando junto o IGP-M, mostra que, além da recuperação do PIB, o governo deve se preocupar em evitar que a inflação chegue nos preços aos consumidores.

P.S. Os gráficos setoriais não são os ideais, continuo procurando uma forma melhor de passar os desempenhos dos setores sem abrir mão de grande parte da série.

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