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O impeachment silencioso e o PT atropelado
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Ninguém pode prever o futuro de forma acurada, pois ele é imprevisível. Mas uma crença começa a ganhar cada vez mais força: a de que dificilmente o Brasil aguenta quase quatro anos nessa situação, com uma presidente sem legitimidade e sem nenhuma capacidade de governar. O estilo de Dilma não combina com as necessidades de mudança à frente, e o estelionato eleitoral não ajuda nada: a presidente não tem moral para propor as mudanças que considerava desnecessárias e ameaçadoras antes.

Sua arrogância faz com que até as críticas óbvias do ministro Joaquim Levy, sobre suas medidas “nem sempre” efetivas, precisem ser suavizadas e justificadas em seguida. Trata-se de uma “líder” artificial, alçada ao poder pelas mãos de seu criador, que se cercou de subalternos medíocres para poder mandar sem contestação. Não está acostumada a ouvir, a admitir erros, a mudar. E conseguiu colocar o PMDB, maior partido de sua base aliada, como um opositor de fato. Como disse Eduardo Cunha, eles, os peemedebistas, fingem que estão lá no governo.

Diante desse quadro preocupante, em que a economia começa a afundar em maior velocidade e a política expõe a fragilidade da presidente, tudo isso agravado pela quantidade enorme de gente nas ruas protestando, a expectativa de que “algo” irá acontecer só aumenta. Imaginar que essa situação perdure até 2018 fica cada vez mais difícil.

Como escreveu Demétrio Magnoli na Folha este sábado, a presidente já sofreu uma espécie de “impeachment silencioso”. Dilma é refém do PMDB por um lado, de Joaquim Levy do outro, e ainda precisa acalmar o próprio PT, dividido e em crise cada vez mais aguda pelos escândalos de corrupção. “Já aconteceu um impeachment tácito, informal”, afirma Demétrio. O governo Dilma “chegou ao fim” antes mesmo de começar. O sociólogo conclui:

No presidencialismo, o chefe de Estado não pode tudo –mas tem o poder de determinar os rumos estratégicos do governo. A legitimidade emanada do voto popular é o ativo intangível que proporciona ao presidente o poder de contrariar interesses entranhados no sistema político. FHC confrontou o conjunto da elite política ao estabelecer a Lei de Responsabilidade Fiscal. No seu primeiro mandato, Lula confrontou o PT ao conservar o tripé da estabilidade macroeconômica herdado de seu antecessor. Capturada na teia da mentira, Dilma perdeu a legitimidade concedida pelos eleitores. Sem o rito da denúncia, processo e julgamento, a presidente sofreu um impeachment silencioso.

Assombrado pela figura errante da presidente destituída, o Planalto está entregue ao triângulo de beneficiários do impeachment silencioso, que agem em direções diferentes, sob motivações distintas. O desgoverno não pode perdurar por quatro anos. 

Não pode mesmo. Mas ninguém sabe o que exatamente vai impedir esse destino trágico. Fernando Gabeira, em sua coluna de hoje no GLOBO, também tratou do assunto, chegando a uma conclusão semelhante:

A variável mais importante é pouco discutida em Brasília. Dois milhões de pessoas foram às ruas, sem nenhum incidente. A sociedade brasileira ganhou maturidade nas demonstrações e mantém-se vigilante porque sua sorte está em jogo. O agravamento da crise, a dureza do ajuste econômico e a mobilização social podem nos levar a um novo momento. Não ouso descrevê-lo. Sinto apenas que o dilema brasileiro poderá ser esse: fazer um omelete sem quebrar os ovos. Essa tarefa que parece impossível para os estrangeiros não é tão distante assim das soluções históricas no Brasil. Se os culpados pela corrupção na Petrobras forem punidos e chegarmos a um consenso mínimo sobre o ajuste econômico, abre-se a possibilidade de um governo de unidade nacional. O PMDB tem ocupado o lugar do PT. Mas está encalacrado na Operação Lava-Jato. Teria, em caso de sobrevida, a possibilidade de um aceno nacional. O PT, que sempre dividiu o país entre pobres e ricos, brancos e negros, reacionários e progressistas, não tem chance de tentar esse caminho.

O momento é verde-amarelo. Sem nenhum juízo de valor sobre símbolos históricos, quem o confundiu com o vermelho cometeu um erro decisivo. O Estado não é um partido, uma política externa não pode refletir a cabeça da minoria, os direitos humanos não englobam apenas os escolhidos. Quando desenharam uma estrela no jardim do Palácio e tiveram que removê-la, deveriam ter compreendido que é insuportável viver num país que tem dono, seja ele um partido ou um demagogo.

Não se conhecem os protagonistas do futuro. Mas já se sabe quem será atropelado por ele.

Aqui há um bom resumo da coisa: “algo” terá de acontecer, mas o consenso aponta para um alvo certo dessa mudança, que é o PT. O partido precisa ser duramente atingido para que o Brasil tenha alguma chance de sucesso. Se a saída será o impeachament (ainda pouco provável), uma renúncia da presidente (menos provável ainda), isso ninguém sabe. Mas não dá para ficar quatro anos remando contra a correnteza desse jeito, com uma liderança tão incapaz e desmoralizada no leme.

Essa é a opinião do poeta Ferreira Gullar também, que dá um peso grande às manifestações das ruas. Para ele, o impeachment não é a solução. Mas não fica claro qual seria esta então. Pois Gullar também acha que a situação de Dilma é insustentável:

Desconhecer o que ocorreu no dia 15 é querer tapar o sol com a peneira. Só na Avenida Paulista, havia 1 milhão de manifestantes, segundo a PM. Em Brasília, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, multidões enchiam praças e avenidas, pedindo o fim da política populista e da corrupção. Enquanto isso, no Congresso, a base de apoio ao governo começa a rachar, com visíveis discordâncias de seu principal aliado, o PMDB. A situação é tão grave que a presidente Dilma chegou a admitir que errou, mas apenas na dose, porque o remédio –sua política econômica desastrada– estava certo.

Mas, como se não bastasse, ao falar ao país naquela semana, deu a entender que as manifestações contra ela só ocorreram graças a ela, Dilma. Sabem por quê? Porque tendo participado da luta contra a ditadura militar, foi ela quem devolveu ao país o regime democrático e, assim, tornou possível tais manifestações. Pode?

Pode ser, porém, que esteja perturbada com os resultados da pesquisa Datafolha que a deve ter deixado perplexa ao revelar que 62% do povo brasileiro considera seu governo ruim ou péssimo e só 20% a aprova. Ainda mais significativa foi a revelação de que o nível de desaprovação das classes A e B (a “elite branca”) é menor do que o da classe pobre, que era até aqui seu principal apoio.

E ainda faltam três anos e nove meses de governo. Mas impeachment não é a solução.

Talvez não. Resta, então, saber: qual é? Pois duas coisas já sabemos: Dilma sofreu um “impeachment silencioso” e o PT foi atropelado pelo Brasil, cansado de sua incompetência, de seu discurso do ódio e de sua corrupção. O que virá em seu lugar?

Rodrigo Constantino

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