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Deputado Jair Bolsonaro com seus filhos, antes da cerimônia de diplomação de Bolsonaro como presidente da república eleito. Brasília-DF, 10/12/2018
Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE
Deputado Jair Bolsonaro com seus filhos, antes da cerimônia de diplomação de Bolsonaro como presidente da república eleito. Brasília-DF, 10/12/2018 Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE| Foto:

Escrevi um texto sobre o mérito do presidente na aprovação da reforma previdenciária, já que alguns jornalistas gostam de repetir que ela foi aprovada apesar dele, e não graças a ele. O texto gerou reação negativa em certos círculos de "resistência" ao que consideram um projeto autoritário de poder do bolsonarismo. Entendo, mas discordo.

É preciso dividir essa questão em duas partes. A primeira é reconhecer os fatos; a segunda é tentar adivinhar o futuro e as reais intenções do presidente. Alguns tentaram negar os fatos para atacar o presidente. Lembraram que até Lula escolheu Meirelles e Palocci, que foi austero no primeiro mandato. E mesmo Dilma teve Joaquim Levi em seu governo.

O argumento é de que acertos não anulam os riscos do populismo autoritário à frente. Pitadas de liberalismo econômico não negam necessariamente o conjunto populista da obra. De acordo. Mas antes, então, vamos à constatação dos fatos.

O que não posso aceitar, em nome da honestidade intelectual, é a narrativa de que a reforma passou apesar do presidente, e não graças a ele. Esse argumento de que "qualquer um" faria essa reforma lá por questão de necessidade ou massa crítica da sociedade me lembra o argumento esquerdista de Obama de que foi a "sociedade" quem criou a fortuna dos bilionários, não eles, pois ela construiu as pontes, pagou a educação dos funcionários com os impostos etc.

Mas quem fez o empreendimento? Quem tocou o projeto? Quem teve a coragem de apostar na ideia ousada? Esse coletivismo difuso, que credita uma abstração como "sociedade" para retirar o mérito individual, não cola. O fato é esse: o presidente que apontou Guedes como ministro e mandou essa reforma foi Jair Bolsonaro!

E, vale lembrar, com muitos repetindo que ele deveria ter encampado a reforma de Temer, que daria uma economia de no máximo meio trilhão. Os mais otimistas do mercado falavam em economia de R$ 600 bilhões depois. Ele entregou uma economia de R$ 800 bilhões!

Sim, é verdade que ele tentou desidratar a própria reforma no processo, como já expliquei no primeiro texto. Ele é um político. Mas isso não rasga seu valor por ter enviado a proposta, apontado Guedes, Rogério Marinho, defendido a reforma durante a campanha e também depois. E isso não anula também todo o mérito do próprio Congresso, do presidente da Câmara Rodrigo Maia, do presidente do Senado Davi Alcolumbre. Mérito que muitos bolsonaristas negam, mas não o presidente, nem Paulo Guedes.

Outro mérito, vale destacar, foi ter conseguido aprovar a reforma sem montar ministérios politizados, sem distribuir inúmeros cargos, sem toma-lá-dá-cá ou mensalão. A postura de Bolsonaro forçou inclusive maior autonomia e protagonismo do próprio Congresso, o que acho positivo.

Portanto, vamos ao primeiro aspecto da questão: foi Bolsonaro quem, como presidente, liderou essa reforma importante. É mérito seu, como foi mérito do Lula, sim, escolher gente mais ortodoxa para tocar a economia no primeiro mandato. O que nos remete ao segundo aspecto da questão: qual a agenda política de Bolsonaro?

Aqui saímos do trabalho de constatação de fatos para a análise de contexto e a futurologia. Vejo indícios de viés autoritário e até dinástico no projeto bolsonarista. Não ridicularizo quem fala em inclinações fascistóides, apesar de ver mais a coisa como um nacional-populismo tribal que vem tomando conta da reação mundial aos excessos "progressistas". Tenho apontado bastante para esse risco.

Ou seja, claro que não descarto a hipótese de Bolsonaro estar usando o liberalismo de Paulo Guedes de forma pragmática para seu projeto de poder pessoal. Os bolsonaristas insistem que o homem é um "mito" por ser patriótico acima de tudo, só pensar no melhor para o Brasil, basicamente um sujeito abnegado, mas há evidências de que tal narrativa não se sustenta e é ingênua demais. Ele é um político do baixo clero, que ocupou um nicho por três décadas e agora faz de tudo para ajudar seus filhos.

Todo cuidado é pouco, portanto. Não é para endossar o discurso de que Bolsonaro fechou com a agenda liberal por total convicção ou patriotismo. Deve-se continuar apontando seus deslizes éticos, suas incoerências e tudo mais. E como todo bom conservador, deve-se sempre ser cético com os poderosos.

Dito isso, estamos aqui na esfera do achismo, ainda que com base em análise de contexto. Bolsonaro deu sinais de que coloca sua família acima de tudo e o bolsonarismo tem uma ala radical demais, que assusta. Tudo isso justifica o receio dos liberais, o medo de estarem apenas sendo usados para um projeto autoritário, para destravar o crescimento econômico e depois ver um grupo bolsolavista colhendo os frutos, e jogando para escanteio os liberais que permitiram a bonança. É um risco real.

O preço da liberdade é a eterna vigilância. Cochilou, o cachimbo cai. Logo, não acho que seja prudente relaxar só porque Bolsonaro insiste na agenda liberal de seu ministro, que teve sua grande vitória até aqui na reforma previdenciária. Mas isso não apaga aquele fato já mencionado: foi graças a Bolsonaro que essa reforma existiu. Se ela está a serviço de um projeto patriótico ou dinástico, o tempo dirá...


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