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Ministro do STF não pode estar comprometido com o presidente da República, mas a Corte precisa respirar
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Por Sergio de Mello, publicado pelo Instituto Liberal

Quando a coisa fica feia, Descartes e seu método cartesiano de decomposição e dúvida dão a dica. Considerando que o único cuidado que devemos ter é para não cairmos no solipsismo e aceitar a proposta do demônio (ou gênio maligno) e chegar ao ápice de duvidar até mesmo da existência de quem está duvidando, de resto, de dúvida em dúvida, chegaremos à resposta pretendida. Os diversos pedaços separados dos problemas a serem resolvidos nos põem no lugar de onde nunca deveríamos sair: da humildade de, talvez, nunca chegarmos a uma certeza ou de que a dúvida pode ser a única certeza que poderemos ter.

Considerando que Bolsonaro indicou ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal o juiz federal do TRF1 Kassio Nunes, ainda é um mistério se esta indicação foi boa ou não. Há quem sustente que o seu nome não tem nada a ver com a linha presidencial de governo. Pelo sim, pelo não, há que prevalecer a afirmação de que, ao menos, ele não faz voz clara e induvidosa de quem o acompanha no pensamento conservador e deve ser favorecido com o benefício da dúvida.

Bolsonaro acertou quando indicou para Defensor Público-Geral da União um evangélico, oxigenando o cérebro enferrujado da instituição, notícia que viralizou como se o indicado fosse um inimputável ou irresponsável, próprio de dementes que pensam que conservador é somente aquele que tem, no mínimo, mais de 40 anos de idade e odeia gays, negros, lésbicas, índios, refugiados, mulheres, idosos, etc., preconceitos, de quem tem fé ou não, que desprezam um todo lógico e sensato como é o Cristianismo. Enfim, o novo Defensor Público-Geral, a se confirmar em atos o título que lhe deram as redes sociais, conquanto votante vencido, será um novo racional em companhia de pares românticos que compõem a grande e massiva quantidade de membros da Defensoria Pública.

Desconsiderando isso e atento ao que normatiza a Constituição Federal, nenhum ministro do Supremo Tribunal Federal deve ter comprometimento com nenhum presidente por ele indicado. Para além disso, ainda, nenhum ministro da corte alta deve satisfação ao Senado que aprova o seu nome. Há um jogo político na indicação e na aprovação, com certeza, sendo que o presidente, ao menos em tese, jamais deve indicar quem seja contrário aos seus interesses.

Em suma, tomando posse, deve o magistrado fazer tábula rasa de quem o indicou.

Com a posse pelo novo ministro, impera em absoluto, ao menos em tese, a independência funcional do magistrado. Ele não é um procurador de entidades estatais, um sem autonomia (graças a Deus!). Deve ele julgar de acordo com a sua própria consciência, atrelado aos ditames das normas jurídicas, entre elas, a maior, a Constituição Federal. Vou mais além para dizer que o magistrado deve negar-se a si mesmo, desprezando até mesmo os seus próprios interesses ou visões pessoais que possa ter do caso concreto. O seu limite são os autos.

Claro que essa visão um tanto romântica da coisa judicial e um tanto ingênua da vida política não deve desprezar os dissabores que a vida política tem. Cada ministro do Supremo tem a sua própria característica pessoal de ser e olhar o mundo, existindo alguns que têm, digamos, uma propensão a mais nesse jogo político.

Daí a afirmação que não quer calar: a mais alta corte do país precisa respirar. Já que, desde os governos anteriores de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma (não precisa dizer quem é o quê aqui), a coisa pública vem decaindo cada vez mais, urge considerar que, diante de um estado falimentar grave e caótico, nem mais concordata (hoje recuperação judicial) pode salvar o Brasil de crise cultural e política, já que ninguém quer ceder ou se doar. Isso é resultado também de quem é colocado no legislativo ou quem julga nossas lides concretas. De longe, o juiz é apenas a boca da lei. Deveria ser, mas não é.

A OAB é outro fantoche de construtos sociais. A presença pessoalizada dela nas cortes e nos tribunais é apenas mais um voto de confirmação do relator que anuncia o próximo julgamento.

O único respiro que tem o STF é a possibilidade de admissão de membros que não sejam atuantes no Poder Judiciário, Ministério Público, advocacia ou Defensoria Pública. Ao contrário do que acontece com o Superior Tribunal de Justiça, Tribunais de Justiça estaduais e Tribunais Regionais Federais, nos quais a Constituição determina a participação de membros destas entidades, no Supremo basta ser cidadão (claro que com os requisitos de notável saber jurídico e reputação ilibada e ter a idade necessária).

Kant, com seu imperativo categórico, nos aconselha, em momentos de incertezas, a fazer ainda o que é certo. Parafraseando Cristo, ele nos disse que o justo viverá pela fé, ou seja, aconselha a que ajamos de acordo com o justo, que tudo, ao final, irá bem, e todos farão a mesma coisa ou deverão fazê-lo. Só o tempo dirá com a certeza mesma que dele se espera.

Esperemos que, no mínimo, o novo ministro ou outro cumpra o que deve por ele ser prometido no ato de posse. De acordo com o art. 15, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no ato da posse, o Ministro prestará compromisso de bem cumprir os deveres do cargo, de conformidade com a Constituição e as leis da República, sobretudo quanto aos direitos e garantias constitucionais com relação às liberdades públicas.

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