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O que podemos aprender com Liechtenstein
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Por Titus Gebel, publicado pelo Instituto Liberal

Se alguém menciona, em uma discussão, que o sistema político de Liechtenstein poderia possivelmente servir como um modelo para a Alemanha, geralmente colhe desprezo e ridicularização. Se você for um pouco a fundo para descobrir o que eles sabem sobre Liechtenstein, o resultado é, geralmente, pouco ou nada.

O Principado de Liechtenstein não tem fronteira comum com a Alemanha, está preso entre a Suíça e a Áustria como um país sem litoral. O território nacional cobre apenas 160 quilômetros quadrados, tornando Liechtenstein o sexto menor estado do mundo. O país possui 37.000 habitantes, sendo 34% deles estrangeiros (majoritariamente de língua alemã). A capital é Vaduz, a única língua oficial é o alemão. Liechtenstein é um estado soberano desde a dissolução do Sacro Império Romano da Nação Alemã em 1806.

O Principado não possui moeda própria; em vez disso, utiliza o franco suíço e forma uma união aduaneira com a Suíça. Ao contrário da Suíça, no entanto, Liechtenstein tornou-se membro do Espaço Econômico Europeu (EEE) após um referendo. Existe livre circulação de mercadorias, serviços, capitais e pessoas entre os estados membros (todos os estados da UE, Noruega, Islândia e Liechtenstein). No entanto, Liechtenstein conseguiu restringir a livre circulação de pessoas a 64 novas autorizações de residência por ano.

Ao contrário da crença popular, o Principado não é um estado de fachada que prospera com vendas de selos e transações financeiras duvidosas. Pelo contrário, é um país altamente industrializado com uma economia altamente diversificada, cujo principal gerador de valor agregado é a indústria de transformação, especialmente a engenharia mecânica. Numerosos suíços, austríacos e alemães viajam ao Principado para ganhar a vida.

Apesar de seu tamanho pequeno, Liechtenstein abriga líderes de mercado como Hilti (máquinas de perfuração) e Ivoclar (tecnologia médica). Cerca de 40% dos funcionários trabalham no setor industrial, tornando Liechtenstein um dos países mais industrializados do mundo! A título de comparação, menos de 10% dos funcionários trabalham no setor financeiro. Com uma empresa por nove habitantes, Liechtenstein provavelmente tem a maior densidade de empreendedores do mundo.

A Reforma Constitucional de 2003

Em 2003, após dez anos de discussão, um referendo adotou uma grande reforma constitucional que fortaleceu os direitos dos cidadãos, municípios e monarcas às custas do parlamento e do governo. As razões para isso são instrutivas, pois lançam luz sobre problemas fundamentais do parlamentarismo e da democracia. Desde a década de 1990, Liechtenstein havia desenvolvido uma realidade constitucional na qual os políticos e partidos que constituíam a maioria parlamentar e o governo drenavam cada vez mais poderes da Constituição que eram claramente designados ao príncipe reinante ou cuja atribuição não era clara. Em alguns casos, leis chegaram a ser publicadas sem a assinatura constitucionalmente exigida do Príncipe Reinante.

O príncipe Hans-Adam II não concordou. Ele justificou sua proposta bem-sucedida de uma emenda constitucional dizendo que, por razões práticas, tanto os soberanos quanto o povo e o Príncipe teriam de delegar as tarefas do estado para grupos menores de pessoas (políticos, partidos, administração), mas que na prática depois adquiriram uma importância desproporcional e se transformaram a si mesmos em “oligarquias”. Estes, no entanto, tentaram aumentar seus próprios interesses à custa dos interesses de todos os outros. Devido a conflitos de interesse internos, cada vez mais eles seriam incapazes de tomar decisões impopulares, mas importantes.

É tarefa do monarca garantir que as instituições democráticas e constitucionais não sejam enfraquecidas por essas oligarquias e que os interesses do estado sejam colocados antes dos do partido. A longo prazo, o monarca só seria capaz de realizar essa tarefa se soubesse que a maioria do povo o apoiaria. As pessoas e a monarquia, como elementos mais fracos, são os aliados naturais contra o elemento mais forte do estado: a oligarquia formada por partidos, políticos e a administração estatal.

Ao mesmo tempo, ele apontou que também poderia ter que vetar a decisão da maioria. Deveria ficar claro que a maioria nem sempre está certa e que é tarefa do príncipe proteger os direitos das minorias, dos fracos e defender o bem-estar a longo prazo do povo e do país; mas se o povo não quiser isso, deve ter a última palavra, de acordo com o princípio do direito à autodeterminação, independentemente dos desejos do príncipe, e poder expressar sua desconfiança ou abolir a monarquia completamente.

Uma Constituição Inovadora


Liechtenstein não é, portanto, uma monarquia constitucional no sentido convencional. Pelo contrário, é um sistema misto único em todo o mundo entre democracia direta e monarquia hereditária parlamentar-constitucional. Além do parlamento, o povo e o príncipe reinante têm seus próprios direitos relevantes de controle e co-determinação, que não estão sujeitos à influência dos partidos; nesse sistema os municípios também podem apresentar suas próprias iniciativas legislativas. Para combater o perigo do domínio de uma maioria irrestrita por meio da democracia direta, o sistema de Liechtenstein incorporou duas válvulas de segurança: por um lado, o direito de veto do príncipe, mesmo contra os resultados dos referendos, e por outro o direito de secessão de cada comunidade individual.

Um abuso do direito de veto pelo príncipe reinante, por sua vez, é impedido pela possibilidade de os cidadãos votarem contra ele ou abolirem a monarquia como um todo (!). Em sua obra O Estado no Terceiro Milênio, o príncipe Hans-Adam II destaca que nenhuma monarquia é necessária para essa construção. Um presidente eleito diretamente pelo povo poderia assumir a mesma tarefa que o príncipe em Liechtenstein.

A atual Constituição Nacional de Liechtenstein é, portanto, uma das mais inovadoras do mundo no que diz respeito à preocupação com a limitação de poder na democracia, e esse é o ponto decisivo.

De fato, Liechtenstein é o único país do mundo a permitir que suas comunidades se separem e, assim, concede a autodeterminação por virtude da sua Constituição. Este é realmente um processo democrático primordial: a maioria de um território decide, por referendo, tornar-se independente ou pertencer a outra comunidade. Se as secessões em nível municipal fossem, em princípio, possíveis, como é o caso de Liechtenstein, um governo teria um incentivo para prestar mais atenção aos interesses regionais desde o início.

Hans-Adam II reconheceu que a concessão de autodeterminação e, portanto, o direito da secessão podem aumentar a qualidade da ação do governo em virtude da concorrência, assim como acontece nos mercados de produtos e serviços. Os estados devem então entrar em uma competição pacífica entre si para oferecer a seus clientes o melhor serviço possível pelo menor preço. Nas palavras de Hans-Adam II:

“O processo de transformar o estado de um semideus para uma empresa prestadora de serviços só será possível se passarmos da democracia indireta para a direta e rompermos o monopólio do estado com o direito à autodeterminação no nível municipal.”

Um estado pequeno não significa isolação

Na Alemanha, presume-se que não apenas o exclave de Büsingen (município alemão que fica cercado por território suíço, sem conexões geográficas com a Alemanha), mas também vários outros municípios do sul da Alemanha teriam se juntado à Suíça há muito tempo se a mesma situação legal estivesse em vigor. Isso, por sua vez, tornaria a política muito mais cautelosa em suas medidas, porque, do contrário, haveria a ameaça de mais perda de cidadãos e território do estado (=poder).

Devemos, portanto, pensar se um mundo de mil Liechtensteins não seria um mundo melhor. A maioria das decisões seria tomada no nível local e de forma descentralizada e os erros graves teriam efeitos limitados; haveria vários exemplos do que funciona e do que não funciona. Devido à multidão de comunidades haveria, por si só, uma competição frutífera por “clientes” em vez de um cartel do estado, que por um lado quer ordenhar os cidadãos o máximo possível e, por outro lado, quer excluí-los de todas as decisões.

A receita da Europa para o sucesso sempre tem sido a diversidade e a concorrência associada. Isso não significa obrigatoriamente uma fraqueza. Mesmo cidades-estado como Veneza e Gênova ou estados marginais como Portugal e Holanda foram capazes de desenvolver um grande poder político e econômico. A criação de instituições superiores como zonas de livre comércio econômico ou de defesa comum é sempre possível e especialmente no caso de comunidades similares, obviamente.

Pense, por exemplo, na Liga das Cidades da Liga Hanseática ou na Confederação Alemã, uma aliança de 39 estados soberanos que mantinham instituições políticas e militares comuns. Pequenos estados não significam automaticamente isolamento ou provincianismo, e sim autogoverno e subsidiariedade. Isso abre oportunidades que estão faltando em outros lugares.

Comparado à Alemanha, o pequeno Liechtenstein é um excelente exemplo de robustez ou antifragilidade do sistema. Um sistema antifrágil é aquele que tem menos oscilações, mas é estável por um período muito mais longo e, finalmente, mais bem-sucedido. Por outro lado, sistemas frágeis parecem bons por um tempo, mas depois desmoronam catastroficamente em intervalos regulares.

Até 1866, Liechtenstein e a atual Alemanha estavam unidos na Confederação Alemã. Assim como o mainstream intelectual atualmente luta por um estado federal europeu, a criação de um estado alemão unificado era a medida de todas as coisas na época. Quando ficou claro após a Batalha de Königgrätz que a Prússia, que rejeitou a continuação da Confederação Alemã, seria o centro desse novo estado, os estados membros decidiram aboli-la. Um único membro votou contra na época: Liechtenstein.

O que aconteceu posteriormente com a Alemanha é bem conhecido: guerras de unificação, colonialismo, Primeira Guerra Mundial, dois milhões de mortos, perda de um quarto de seu território, revolução, hiperinflação, reforma monetária com perda de quase todas as economias, ditadura nacional-socialista, Segunda Guerra Mundial, Holocausto com extermínio de concidadãos judeus e sua cultura, seis milhões e meio de mortos em guerra, perda de outro terço do território nacional, quase todas as cidades bombardeadas, expulsão de doze milhões de alemães, divisão do país em zonas de ocupação, reforma monetária renovada com perda de quase todas as economias, ditadura socialista na parte oriental, revolução lá e reforma monetária renovada. No total, houve pelo menos quatro colapsos no sistema desde 1870. Em Liechtenstein, por outro lado: zero.

Hoje, o Principado do Liechtenstein tem uma renda per capita muito maior que a República Federal da Alemanha, é um país estável, sem crimes significativos e sem dívida nacional. Tudo isso foi alcançado sem uma única guerra, sem uma única revolução e sem uma única anexação a um coletivo grande e poderoso.

*Traduzido por Alexandre Araldi e revisado por Marcel Gastal Soruco. Este artigo foi publicado originalmente em alemão no Achse des Guten e em inglês no Mises Institute.

Sobre o autor: Titus Gebel é fundador, presidente e CEO da Free Private Cities Inc. Ele é um empresário alemão com doutorado em direito internacional e é autor do livro Free Private Cities: Fazendo Governos Competirem por Você.

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