| Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo

Coincidências e incentivo

Bem humorada, a família Arndt é o retrato das mudanças na altura dos brasileiros. Com 1,80m, o contabilista Gilberto e seu filho, Bruno, têm a mesma altura. Detalhe: o garoto tem apenas 15 anos e ainda deve crescer uns bons centímetros até chegar à idade adulta. A coincidência, garante o pai, rende uma série de situações engraçadas. "Ele sempre pega roupas e calçados emprestados. Às vezes penso em usar alguma coisa e, quando vejo, ele já está com ela e tenho que fazer um plano B. O único problema é que ele não gosta nada quando peço para usar seus tênis de vez em quando", conta, aos risos. A mãe, a musicoterapeuta Maive, tem 1,63m, a mesma altura da filha, Mayra, de 17 anos. Preocupada com a saúde dos filhos, ela diz que não poupa esforços para que eles se alimentem com qualidade. "Mesmo magra, a Mayra adora comer guloseimas, mas já conseguiu abrir mão dos refrigerantes."

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Obesidade

Fenômeno mundial

Os brasileiros estão mais altos e gordos, mas não são os únicos. O médico endocrinologista e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM-PR) Henrique Suplicy, explica que as mudanças não são exclusividade do Brasil. Segundo ele, a cada década, é natural que a população aumente um pouco sua média de estatura devido aos benefícios de uma alimentação mais rica e variada.

"O que chama a atenção por aqui não é a população ter ficado mais alta e mais gorda, mas a velocidade disso. Em menos de três décadas, as mudanças foram consideráveis", afirma a médica endocrinologista Rosana Radomiski, presidente da Associação Brasileira paro o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

E a médica nutróloga e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), Marcella Garcez Duarte, alerta: ser mais gordo não significa estar bem nutrido. "Pelo contrário, em geral pessoas obesas têm um perfil de desnutrição porque comem muito e de maneira errada.

No fim das contas, acumulam gorduras e açúcares, mas não têm nutrientes essenciais, como vitaminas, cálcio, fibras e proteínas", diz.

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Cada vez mais cedo

O assunto deixa muitos pais de cabelos em pé e os especialistas garantem que é verdade: as crianças de hoje se desenvolvem muito mais rápido que as de décadas atrás. E a culpa, segundo o médico endocrinologista e membro da Sociedade Brasileira de Endocri­­nologia e Metabologia (SBEM-PR) Henrique Suplicy, está no peso. "A obesidade acelera o processo de puberdade porque esse excesso de peso leva a uma produção precoce e mais rápida de hormônios, acelerando o processo tanto nas meninas quanto nos meninos", diz.

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Mais alto e cada vez mais acima do peso. Este é o retrato do brasileiro na primeira década do século 21. Os 3 centímetros que separam as mulheres brasileiras de hoje em relação às de 1989 podem parecer pouco, mas em um estudo detalhado, os números revelam os benefícios e prejuízos de uma mudança de hábitos.

A altura média das brasileiras passou de 1,55m há duas décadas para 1,58m em 2003. Entre os homens, a diferença é um pouco menor (1,68m para 1,70m), mas não menos expressiva. Quanto ao peso, os dados são alarmantes: em 2006, 54,1% da população tinha excesso de peso ou era obesa. Em três anos, esse número saltou para 60,5%.

Essas transformações, explicam os especialistas, se devem a uma conjunção de fatores, que vão da mistura de predisposições genéticas ao longo das gerações ao maior acesso da população a tratamentos de doenças graves – que limitavam o desenvolvimento de crianças e adolescentes – passando invariavelmente pelo excesso de comodidade oferecida pela vida moderna. "Na maioria dos casos a melhora do padrão de vida se traduziu em aumento no sedentarismo e consumo de alimentos prejudiciais à saúde", explica Marcella Duarte, médica nutróloga e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).

Segundo o médico endocrinologista e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) Henrique Suplicy, a mudança do perfil corporal do brasileiro é nítida. "Passamos de um povo que sofria com a desnutrição, em décadas anteriores, para uma população que luta, atualmente, contra os riscos da obesidade", resume.

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Mais alto

De maneira simples, o brasileiro ficou mais alto porque, nas últimas décadas, passou a ter à disposição uma grande variedade de alimentos, o que permite que se coma mais e com mais qualidade. Porém, esta diversidade nem sempre leva as pessoas a fazerem as melhores escolhas e a maioria opta por adicionar alimentos industrializados ao cardápio, como congelados, comidas prontas, refrigerantes e fast food.

"Como esses produtos têm altas taxas de açúcar, gorduras, conservantes e sódio, rapidamente levam ao excesso de peso e, em muitos casos, à obesidade", aponta Edil­céia do Amaral Ravazzani, conselheira do Conselho Regional de Nutricionistas do Paraná (CRN-PR) e presidente do Conselho Muni­cipal de Segurança Alimentar e Nutricional.

E as consequências disso vão além dos quilinhos a mais na balança. "Com a obesidade, surgem problemas que aparecem de maneira cada vez mais precoce, como aumento nas taxas de colesterol, diabete, enfarte, AVC e hi­pertensão", diz.

Os números comprovam. Se­gundo dados da pesquisa Vi­gitel, divulgada no ano passado e realizada pelo Ministério da Saúde, um dos símbolos da cultura brasileira, o tradicional prato de arroz e feijão, está perdendo espaço e somente 65,8% dos brasileiros disseram consumir feijão pelo menos cinco vezes por semana em 2009, contra 71,9% em 2006. A queda, segundo Deborah Malta, coordenadora de Doenças e Agravos Não Trans­­missíveis do Ministério da Saúde, se deve ao tempo que o alimento leva para ficar pronto. "Parece mais prático comprar uma lasanha congelada ou fazer um macarrão instantâneo que esperar um tempo a mais até o feijão ficar pronto para o consumo", explica.

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Os prejuízos para a saúde vindos dessas trocas são evidentes. "O arroz com feijão é perfeito porque favorece a absorção de proteínas e oferece pouca gordura e calorias, muitas vitaminas e fibras e uma série de nutrientes importantes, como o ferro. Sem ela e com a ingestão de industrializados, o risco de doenças como diabete e hipertensão é grande", diz Marcella.

Sedentarismo

Não é preciso ser um especialista para notar as mudanças no ritmo de vida dos brasileiros. A mesma pesquisa mostra um dado cotidiano: somente 20% dos brasileiros comem vegetais e praticam exercícios físicos com frequência. "Basta pensar que, há algumas décadas, poucas pessoas tinham carro e os sistemas de transporte urbano eram bem menos abrangentes, então a maioria se locomovia a pé ou de bicicleta", comenta Deborah.

Segundo ela, as mudanças nas formas de trabalho e lazer também tiveram um grande impacto nas mudanças no corpo dos brasileiros. "Antigamente, a maioria da população era rural e o trabalho era muito pe­­­­sado, exigindo grande esforço físico todos os dias e os momentos de lazer eram dedicados a ir ao parque, passear e caminhar pela cidade. Hoje, grande parte dos trabalhadores passam o dia sentados em frente ao computador e, na hora de relaxar, pre­­­­ferem usar o computador ou assistir à tevê, atividades sedentárias."

Se a alimentação foi um dos motivos que deixou os brasileiros mais gordinhos, também foi responsável por adicionar uns centímetros à estatura média e, neste caso, até pequenas atitudes fizeram diferença.

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"Um marco foi a conscientização a respeito da importância dos exames de pré-natal e do aleitamento materno pelo menos até os seis meses de vida. Com isso, nossas gestantes têm menos casos de desnutrição e doenças e as crianças podem se desenvolver de maneira plena desde o início da vida", explica Victor Horácio de Souza Costa Júnior, médico pediatra do Hospital Pequeno Príncipe e professor da Pontifícia Uni­versidade Católica do Paraná (PUCPR).

A lógica é simples: mães bem nutridas geram bebês muito mais fortes e saudáveis que, alimentados de maneira correta e com hábitos como praticar exercícios físicos periodicamente, tornam-se adultos mais altos.