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 | Daniel Castellano e Lucio Barbeiro/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano e Lucio Barbeiro/Gazeta do Povo

Rafael* parou de estudar na 5ª série, mora com a mãe e o padrasto na periferia de uma capital da região Sul. No tráfico de drogas desde os 13 anos, hoje, aos 16, está sob proteção da Justiça. Ameaçado pelos traficantes, a quem servia como aviãozinho, já escapou três vezes da morte em seis meses. Primeiro, levou uma facada na mão ao proteger o rosto, depois ficou um dia amarrado a um poste de luz e um mês depois ficou três dias amarrado a uma árvore. O medo agora é acabar igual a um amigo de infância, decapitado.

As agressões começaram há seis meses, embora as ameaças existissem desde as primeiras tragadas de maconha na escola, que logo o levariam ao crack. Os traficantes davam-lhe 30 pedras, das quais podia ficar com 10, mas precisava prestar conta das outras 20. A dívida aumentava à medida que ele fumava além da cota. Rafael costumava pagar o débito furtando o que encontrasse de valor na casa da mãe, ou invadindo residências vazias para fazer uma limpa. Levava o que podia e entregava tudo ao traficante.

O primeiro aviso mais duro foi há seis meses, quando levou socos, tapas e pauladas. Pagou a dívida e voltou a pegar drogas com os mesmos traficantes. Dias depois, 10 homens o arrastaram até um matagal e o amarraram numa árvore. Disseram que estava roubando perto do ponto deles, chamando a atenção da polícia. "Falaram que se eu conseguisse sair era para aprender a lição", conta Rafael. Com pés e mãos bem atados, passou três dias de fome e sede até se desvencilhar das cordas. Mas o vício falou mais alto.

Voltou a pegar crack para revender e mais uma vez não conseguiu prestar contas das pedras. Tentou se esconder, mas olheiros do tráfico ficavam à espreita para avisar o patrão sobre seus passos. Não tardou a ser pego. Ficou um dia inteiro amarrado a um poste num lugar ermo da periferia, até dar a sorte de ser encontrado por policiais que faziam ronda nas imediações. Há um mês, dois rapazes do mesmo grupo o pegaram. Perguntaram como ele queria morrer. Facada ou tiro? "Eu respondi tiro", conta.

Quando se deu conta, uma faca vinha em direção ao seu rosto. Ele só teve tempo de pôr a mão na frente e sentir a lâmina rasgar a carne pouco abaixo dos dedos. Fez escândalo, gritou a plenos pulmões, e os bandidos fugiram. Socorrido e levado ao hospital, acabou fugindo com medo de que o procurassem ali para completar o serviço. Hoje sob guarda da Justiça, Rafael sente calafrios ao lembrar as pressões dos traficantes.

–Que tipo de pressão eles fazem?

–Vou te matar, cortar tua cabeça, arrancar teus braços.

–Já fizeram isso com alguém que você conhece?

–Já.

–O que fizeram?

–Cortaram a cabeça fora.

–Era teu amigo?

–Era.

–Como fizeram?

–Levaram no meio do mato, mataram ele a tiro e cortaram a cabeça dele.

* Nome alterado em respeito ao Estatuto da Crianças e do Adolescente.

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