A professora Érica (de vinho) e alguns participantes do projeto que conquistou o Viva Leitura.| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

A simples menção ao nome da escritora paulista Ana Cristina Ayer de Oliveira desperta reações inesperadas entre os 500 alunos do Colégio Estadual João Gueno, na periferia de Colombo – Região Metropolitana. Causa surpresa. “Índigo” – como Ana se tornou conhecida – figura entre os fenômenos da nova literatura infanto-juvenil, setor do mercado para o qual parece não haver crise. Ao contrário, seus autores provocam filas bíblicas nas bienais do livro e congestionam a blogosfera.

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Não se pode dizer que os professores amam as celebridades literárias na mesma medida que os jovens leitores. Muitos os veem com reserva – preferindo insistir na recomendação dos canônicos, não raro fazendo-os descer goela abaixo. A “João Gueno” fez caminho contrário, dando incentivo para que nomes das novas lavras chegassem às mãos dos estudantes. A gurizada não só adorou como conta vantagem, dizendo que Índigo “virou freguesa”. Não é exagero.

Em um ano, a escritora fez duas visitas ao colégio de Colombo. Foi recebida com honras de chefe de Estado, à custa de muita força-tarefa – da venda de bombons caseiros para arrecadar fundos para a recepção a mutirão: os muros pediam uma demão de tinta. Se pudessem, passariam asfalto na frente, reduzindo o poeirão. Para coroar o empenho, entre uma passada e outra da autora, a “João Gueno” ganhou em 2014 o prestigiado prêmio Viva Leitura, promovido pelo governo federal. Bateu concorrentes de todo o país. O que aconteceu ali chama atenção.

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Revolução da leitura

Até pouco tempo, o bairro São Dimas – onde está o colégio – e seu vizinho, o Monte Castelo, eram mais conhecidos da crônica policial do que dos agentes da leitura. Não bastasse a praga do tráfico – que se aproveitou da geografia alterosa daquelas divisas – em junho de 2013 a região foi cenário do assassinato da adolescente Tayná Adriane da Silva, em circunstâncias até hoje não esclarecidas. Entre a tragédia e a “chapa” Índigo, os adolescentes preferem a segunda opção. Não é difícil entender.

A “revolução da leitura” na “João Gueno” começou em 2013, no dia em que a professora de Língua Portuguesa Érica Rodrigues, moradora do São Dimas, bateu na porta do Departamento de Educação da UFPR. Expôs o quadro negro: seus alunos do 7.º ano ostentavam um combo completo – lidavam com as palavras aos trancos, sem falar no repertório estacionado no bosque da Chapeuzinho Vermelho. As pesquisadoras Lúcia Cherem e Elisa Dalla Bona responderam no ato: bolaram um projeto e carregaram toda semana alunos de Letras e Pedagogia para as bandas da Estrada da Ribeira.

Imaginação

Foi em meio a esse amistoso entre universidade-escola que se deu o inesperado. Decidida a encontrar um livro que interessasse aos adolescentes, Érica carregou para a sala um exemplar de A maldição da moleira – da então obscura “e de nome estranho” Índigo. Recorreu a uma lição dos tempos da professorinha. Começou a lê-lo em voz alta, um pouco a cada aula, qual uma novela.

Antes e depois de Índigo

Uma história dentro de outra história. Assim parece a experiência educacional que colocou o Colégio Estadual João Gueno, de Colombo, em destaque no cenário das boas práticas de leitura. Ouvir os alunos participantes contarem o que aconteceu nos dois últimos anos é tão prazeroso quanto os livros que lhes caíram nas mãos, de A maldição da moleira a D

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Entre um encontro e outro, os alunos praticavam o exercício da imaginação – de como seriam os personagens ao que aconteceria no próximo capítulo. “Não foi nada muito planejado”, conta a educadora. Ela deixou acontecer – e aconteceu de Índigo responder uma-duas-três... mensagens dos alunos pela internet. Virou amiga virtual. Mandou-lhes uma caixa de livros. “Quando chegou, céus, foi a maior expectativa”, conta Brenda Cordeiro, 14. Recebeu o convite para aparecer. E apareceu. Duas vezes – em setembro de 2014 e abril de 2015. Hoje chama sua vida antes da visita de “pré-colombiana”.

O estreitar de laços entre um autor e seus leitores não foi a única tarefa da parceria. Elisa Dalla Bona e alunos da UFPR preparam uma publicação na qual relatam a “experiência”, assim que terminarem as análises. São muitas – em especial as investigações sobre os textos que a turma da “João Gueno” passou a escrever depois do encontro com Índigo. Produziram, inclusive, um livro – Diário animal. “Há um grau de sofisticação nas histórias que eles assinam”, diz Elisa.

Conhecida por pesquisar um dos maiores selos de qualidade do ensino público de Curitiba – a Escola Municipal São Luiz – a pesquisadora traficou seu conhecimento para o colégio de Colombo. Ao tentar descobrir o segredo do “São Luiz”, dono das melhores avaliações no Índice de Educação Básica, o Ideb, descobriu o poder de tirar livros da biblioteca – levando-os à sala de aula – e a magia da leitura em voz alta. “O professor lê melhor do que um aluno – que dirá num local que tinha as dificuldades do São Dimas. Ao ouvir, começaram a navegar e acabaram conquistados”, explica Dalla Bona. O bom é que não parou por aí – a turma da UFPR continua conectando o São Dimas ao mundo. Aguardem.

Brenda Cordeiro, 14; Isaac Mercurio, 14; Daniele Rodolfo da Silva, 14; professora Érica Rodrigues; Eduardo Taborda, 13; Rafael Milo, 13: em 2014, esses e outros alunos iniciaram uma relação leitor-autor com a escritora Índigo. Proximidade alterou rotina da escola e ajudou a despertar novos leitores.
Rafael, Daniele, Isaac, Brenda, Eduardo e Érica: em 2014, biblioteca estava em reformas, o que provocou ida dos livros para a sala de aula. Informalidade levou a mais escolhas literárias.
A escritora Índigo veio ao Colégio Estadual João Gueno pela primeira vez em setembro de 2014. Em abril deste ano, voltou, financiada pelo prêmio nacional Viva Leitura.
Depois de ler Índigo, alunos passaram para a leitura de Diário de um banana, de Jeff Kinney. Passaram a escrever diários, dando origem a um a coletânea da própria turma - Diário animal.