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Que tal ter um riacho limpo passando dentro do quintal de casa e dormir com o barulhinho da água correndo; em um lugar onde as crianças podem se refrescar no verão, brincando à vontade, e os vizinhos se reúnem para pescar lambaris no final de semana; e tudo isso a poucas quadras do centro da cidade, com comércio e serviços à disposição bem pertinho de casa?

Não faz tanto tempo assim, essa era a realidade de muitos moradores do bairro Rebouças, em Curitiba. Até o começo dos anos 70, famílias inteiras desfrutavam da vizinhança com o trecho do rio Água Verde que passa por ali. Toda uma geração, que hoje está na faixa dos 36 aos 40 e poucos anos, lembra-se de crescer brincando nas águas do rio.

Lixo e ratazanas

Muitos deles continuam vivendo no bairro, e até na mesma casa onde passaram infância e adolescência. Mas agora convivem com cheiro de esgoto, ratos, baratas, ratazanas, lixo, e o risco constante das enchentes.

Alberto José Cabral Chaves é dessa geração de moradores do Rebouças. Chegou ao bairro bem pequeno, com os pais vindos do interior, na década de 60.

"Vivia brincando pelo rio, correndo o trecho. Conheço ele todinho", conta. Hoje ele vive realidade bem diferente. Chaves ficou com o imóvel da família – uma casa na Rua Brasílio Itiberê, entre a Lamenha Lins e a Brigadeiro Franco – e o terreno anexo, que dá frente para a Lamenha Lins, onde o Água Verde corre a céu aberto.

Ponte improvisada

A casa foi alugada para gerar renda, e no terreno ele construiu outra mais simples para morar, praticamente grudada no rio. É preciso atravessar, sobre uma ponte improvisada com tábuas soltas, a água corrente e malcheirosa, para entrar na casa de Chaves.

A janela do quarto dele está a poucos passos daquilo que não dá mais para chamar de rio. É uma mistura de água, esgoto, lama, e muito lixo. Ratazanas atravessam, nadando, o trecho.

"Os ratos têm hora certa para aparecer", conta Chaves. "De manhã cedo e no fim da tarde eles saem para procurar comida", relata. Para se defender dos bichos, ele tem cachorros, abrigados em casinhas em frente ao rio, e uma espingarda de chumbinho.

Chavez conta que ele e o filho de 11 anos praticam tiro ao alvo nos imensos roedores. "Assim eles aprendem a não chegar perto de casa. O problema é que a cada enchente, o rio arrasta os bichos que estão morando por aqui e chega uma nova leva de ratos, que a gente tem que adestrar de novo", explica.

Medo da cheia

Já a enchente, Chaves dribla com criatividade e sorte. Bolou um sistema de escotilhas caseiras para quando começa a chover forte. Ele já cansou de ver a água suja correr solta, rolando pelo asfalto da Brasílio Itiberê e pelo resto do bairro - sempre na direção da "caída", da margem direita do Água Verde.

"Que dá medo, dá. O rio enche muito rápido, a água vem com força, levando tudo, esguicha forte pelos buracos dos tijolos, parece que vai derrubar tudo", narra, apontando o muro que faz divisa com o vizinho e que protege a casa onde ele vive.

Época sem enchentes

Chaves lembra de brincar no rio limpo. Lembra também que a região sofreu muitas modificações, que afetaram a vazão do riacho. O terreno onde mora era bem mais baixo. As ruas da região, antes de ganhar asfalto, absorviam as águas excedentes. Não havia enchentes, e o Água Verde não vinha cheio de lixo como hoje. O mau cheiro, diz Chaves, fica ainda pior antes da chuva. "Eu acho que o rio está estrangulado", comenta.

Liliane Regina Ton, dona do mercado Ponto Bom, na Rua Rockfeller, também sofre com o fedor. Mora ali, ao lado do rio, desde que nasceu, há 38 anos. Hoje, toca o mercadinho e cuida da casa de olho nos ratos e baratas. Lamenta que em todo esse tempo, nada tenha sido feito para resolver o problema do Água Verde, que ali corre também a céu aberto.

Veneno para ratos

"Ratos, cada vez tem mais. Enchente também, é cada vez mais freqüente. A prefeitura vem, mede, olha, avalia. Já vieram várias vezes, e não acontece nada", relata.

Para dar cabo das ratazanas, ela conta também com um cachorro no quintal. Diz que quando telefona para reclamar, "a prefeitura vem e bota veneno pra rato na beira do rio".

Na casa em frente, também vizinha do Água Verde correndo aberto, dona Terezinha Dubarde atende a campainha e confirma: "Rato, ratazana, fedor, lixo, meu Deus, isso aqui é horrível, não há limpeza que vença, não sei como se agüenta morar aqui", reclama a idosa, que está de visita na casa do filho.

"E a prefeitura cobra um IPTU caríssimo, viu. Acho que estão é devendo, e muito, em obras, pra quem vive por aqui", resume.

Imóveis vazios

Histórias de enchentes, de água levando muros, derrubando paredes, arrebentando calçadas, são muitas. Todo mundo na vizinhança tem pelo menos uma para contar, e fotos para mostrar. Sobram também imóveis para vender ou alugar.

Na esquina das ruas Nunes Machado e Brasílio Itiberê, quase não dá para acreditar que se está tão perto do centro da cidade e do bairro Água Verde, regiões movimentadas e valorizadas da capital paranaense.

Naquele pedaço do Rebouças, perto do rio, o mercado imobiliário e o desenvolvimento estagnaram.

Há várias casas antigas à venda, quase todas em péssimas condições: vazias, semi-abandonadas, paredes e muros despencando. Ninguém quer investir em imóveis atingidos pelo cheiro de esgoto que, no verão, chega a ser insuportável; e ainda, correndo o risco de ter tudo invadido por ratos e água podre nas enchentes constantes.

Muro alto

"Fizemos um muro de quase três metros. Nós e todos os vizinhos aqui dessa quadra", explica dona Marlise Perri Santos, outra moradora antiga do Rebouças.

Dona da casa onde mora e da loja de presentes anexa, na Brasílio Itiberê, entre Lamenha Lins e Nunes Machado, ela tem o terreno dando fundos para o que outrora foi um riacho limpo e agradável.

Barata "de rio"

Agora, para se proteger das enchentes, a comerciante ergueu a barreira de tijolos. Dona Marlise vive acendendo incenso na loja, para driblar o mau cheiro. E a cada cheia tem que lidar com visitantes indesejados. "Vêm ratazanas e uma leva de baratas horríveis, meio molengas, que sobem de monte pelas paredes. Barata de rio, sabe?", conta.

Dona Marlise, assim como os outros entrevistados, adora o bairro e não quer sair dali. Já ofereceram para comprar o imóvel, relata, mas ela nem quis conversa.

"A gente morou aqui a vida inteira, o bairro é tão bom, perto de tudo, e tranqüilo. Só tem esse problema do rio, que nunca ninguém resolveu", resume.

Rio no quintal

Dona Ana Boroski faz tricô dentro da casa, colocada à venda, e não deixa a reportagem ir até o quintal, verificar onde passa o rio. A residência era da família; ficou para ela, hoje idosa, viúva e vivendo sozinha.

Da entrada lateral da antiga casa de madeira, com fachada de material dando para a calçada da Nunes Machado, vê-se de relance o mato tomando conta dos fundos do terreno.

Dona Ana não é de reclamar. Diz que adora o bairro, quer comprar um apartamento ali perto. Mas, aos poucos, vai falando: o cheiro ruim do rio, os ratos que cada vez aparecem mais... "Mas a culpa é das pessoas, viu, que ficam jogando lixo e esgoto no rio. Jogam de tudo, uma coisa", diz.

Caminho do rio

O verde de árvores, folhas e arbustos crescendo selvagens esconde, atrás da casa da dona Ana, mais um trecho do Água Verde poluído. Ele vem da casa de Alberto Chaves na Lamenha Lins e passa por trás do imóvel de dona Marlise.

A partir do quintal de dona Ana, o rio se esconde embaixo da Rua Nunes Machado. Segue coberto mais um trecho, mas logo ali, na ultra-movimentada Avenida Marechal Floriano, ele ressurge a céu aberto. Quem passa de carro não vê que o rio Água Verde está ali. Logo depois, ele chega à casa de Liliane Ton, na Rockfeller.

São pequenos trechos em que o rio aparece, mostrando sua cor cinza-amarronzada e espalhando o cheiro detestável - mas que incomodam uma população razoável e prejudicam toda a região. Tânia Schreiber tem um comércio de autopeças na Nunes Machado, a 60 metros do local onde o Água Verde corre aberto. Mas sente as conseqüências, principalmente quando chove e vêm as cheias.

"Já vimos cada enchente feia aqui", relembra a comerciante, que está no ponto há oito anos. "A chuva enche o rio, que transborda, lotado de lixo e sujeira, daí enche as ruas pelos bueiros. A água vem com força e derruba muro, faz cada onda forte que tem que ver", relata.

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Interatividade:

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