• Carregando...
Ao STF, polícias do RJ se posicionam contra uso de câmeras em agentes das forças especiais
Polícia Militar e Polícia Civil apontam ao STF riscos diversos à segurança pública a partir do uso de câmeras corporais em agendas do Bope e do Core| Foto: Reprodução / Bope RJ

Em ofícios enviados ao Supremo Tribunal Federal (STF) na semana anterior ao Natal, as polícias militar e civil do Rio de Janeiro se posicionaram contra a instalação de equipamentos de gravação de áudio e vídeo nas fardas e viaturas de suas forças especiais: o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) e a Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil (Core).

Apesar de haver um programa em andamento de instalação de equipamentos de gravação nas viaturas e nos uniformes de policiais no estado, a medida é voltada apenas aos batalhões convencionais. Nos documentos enviados ao Supremo, as polícias fluminenses destacam fatores diversos que podem comprometer o êxito das operações, bem como colocar em risco a vida dos próprios agentes, que com frequência são deslocados para enfrentamentos de alta complexidade com criminosos armados com arsenais de guerra.

Um dos pontos críticos mencionados nos relatórios é o risco de vazamento do conteúdo gravado, que pode vir a expor métodos e estratégias de atuação das forças especiais, bem como a identidade de seus integrantes. Em um dos pareceres é citado que recentemente grande parte das câmeras corporais utilizadas por departamentos de polícia norte-americanos estavam infectadas por vírus que permitiam o acesso indevido às imagens capturadas.

Os ofícios enviados ao Supremo atendem a uma determinação publicada no dia 19 de dezembro pelo ministro Edson Fachin, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que tramita no Supremo desde 2020 e é conhecida como “ADPF das Favelas”. Dentro desse processo, ministros do STF criaram uma série de restrições a operações policiais no Rio de Janeiro.

No recente despacho, Fachin deu cinco dias para que o governo do Rio de Janeiro apresentasse um cronograma sobre a instalação das câmeras para as forças especiais e os batalhões localizadas em áreas com os maiores índices de letalidade policial. Em resposta, no dia 26 de dezembro a Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ) se manifestou à Corte apresentando os pareceres técnicos das polícias.

A PGE-RJ questionou ainda o período curto exigido pelo STF para implementar uma política que ainda possui indefinições importantes que podem ocasionar riscos à segurança pública caso sejam feitas às pressas, sem maiores ponderações. Por fim, a Procuradoria pediu a reconsideração do prazo para apresentação do cronograma e solicitou que, havendo discordância por parte do ministro relator quanto ao pedido de reconsideração, que o caso seja levado para a decisão de todos os ministros, não apenas de Fachin.

Ao tomar posse neste domingo (1º), o governador reeleito do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), disse que vai recorrer “até o fim” contra a colocação de câmeras nas fardas das forças especiais do estado. Em outras ocasiões, Castro já havia mencionado riscos à segurança pública decorrentes de uma política irrestrita do uso dos equipamentos. Até o momento foram implantadas 8.945 câmeras nos uniformes de policiais fluminenses segundo o governo do estado, todas em batalhões convencionais da polícia militar.

Para a PM, uso de câmeras pelo Bope colocaria em risco o sucesso das operações e a vida dos policiais

No ofício enviado ao STF, o secretário de estado da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, alega que diretrizes observadas por toda a comunidade internacional quanto a operações especiais apontam para o não uso de câmeras corporais para auditorias externas e/ou para a divulgação pública de suas atuações. “O critério aqui é a lógica: não seria producente revelar as suas técnicas, as suas táticas e os seus equipamentos para os criminosos. Uma questão de bom senso e uma diretriz de operações especiais”, diz o secretário.

Em trecho do documento, Pires reforça que as gravações podem cair em mãos erradas, comprometendo a atuação do batalhão. No âmbito da ADPF 635, um dos vários pedidos feitos por partidos de esquerda e ONGs ligadas a direitos humanos – ao menos uma dessas ONGs, aliás, tem ligações estreitas com lideranças do crime organizado – é a criação de um observatório com representantes dessas entidades para monitorar o cumprimento de medidas determinadas na ação. Há receio de que imagens da atuação de agentes das forças especiais, bem como a captação de seus diálogos e demais comunicações, sejam de fácil acesso a pessoas “que possuem vínculo precário com o Estado”, como cita o secretário.

“O BOPE tem padrões de conduta em suas patrulhas de terreno, no embarque e desembarque de blindados, na progressão em áreas de alto risco, na utilização de atiradores de precisão para a segurança da equipe, e equipamentos especiais, drones, aeronaves e outros, para fazer frente à criminalidade violenta organizada. É imprescindível que os criminosos não tenham acesso aos pormenores da atuação do BOPE, uma vez que a partir do momento em que entenderem a forma como os operadores especiais agem, passarão a conhecer de perto as suas virtudes e vulnerabilidades, podendo adotar contramedidas para emboscar equipes policiais e ceifar as vidas de seus agentes”, aponta Pires.

Polícia Civil destaca riscos à segurança pública e efeito de “despoliciamento” com uso de câmeras

O parecer técnico elaborado pelo delegado Fabrício Oliveira, coordenador da Core, traz uma avaliação a partir de experiências internacionais com o uso de câmeras em agentes de segurança. O documento cita uma série de aspectos que devem ser considerados antes de implementar uma política ampla e irrestrita do uso dos equipamentos, como o risco da hesitação dos agentes de segurança em situações extremas, a incompatibilidade de dispositivos que emitam sons ou luzes em operações especiais e a possível redução da proatividade policial.

O documento menciona um relatório do Departamento de Justiça dos EUA que concluiu que há menor probabilidade de colaboração e compartilhamento de informações por parte da sociedade com a polícia se souberem que a sua conversa será gravada, principalmente em bairros de alta criminalidade, onde os moradores podem estar sujeitos a retaliação se forem vistos como colaboradores ou informantes da polícia. Dentro das comunidades dominadas pelo crime organizado no Rio de Janeiro há uma cultura de retaliações diversas com emprego de tortura e assassinato a pessoas apontadas como colaboradoras da polícia.

Outro risco mencionado no parecer é a diminuição do policiamento proativo e do volume de ações de fiscalização policiais. Como mostrado pela Gazeta do Povo, um estudo divulgado neste ano por pesquisadores da Universidade de Stanford sobre o uso de câmeras acopladas às fardas de policiais do Rio de Janeiro concluiu que o uso dos equipamentos produziu um efeito de “despoliciamento”, isto é, desencorajou os agentes de segurança a se envolverem em atividades como abordagens e atendimento a chamados.

Segundo o estudo, a partir do uso das câmeras foi registrada redução dos indicadores de violência, como mortes e ferimentos de criminosos, policiais e moradores. Porém, em paralelo também foi registrado um declínio sistemático e progressivo em todas as atividades de patrulha relacionadas a casos como tráfico de drogas, homicídios, roubos, assaltos, perturbação do sossego e violência doméstica.

O relatório da Core cita o exemplo de São Paulo, onde foi registrada redução de 54% nas mortes por intervenção policial entre maio e junho de 2021, após os agentes começarem a usar os equipamentos. O estado lida, entretanto, com uma crescente de assaltos e de roubos seguidos de assassinatos desde o ano passado.

“A grande redução da letalidade policial, que causou uma euforia positiva da imprensa e de pesquisadores no início do processo, está sendo ofuscada pelo enorme aumento de todos os índices de crimes patrimoniais, como latrocínio, roubos e furtos, e causando uma piora significativa na sensação de segurança dos paulistanos”, diz o parecer da Polícia Civil.

Em relação à atuação da Core, o relatório traz apontamentos semelhantes ao ofício da Polícia Militar quanto ao risco de perda de sigilo dos procedimentos táticos das forças especiais. “O sigilo é um pré-requisito para a obtenção da surpresa contra criminosos armados, que utilizam táticas de guerrilha e atuam em terrenos hostis (...) É imprescindível que os criminosos não tenham acesso aos pormenores da atuação da CORE, uma vez que a partir do momento em que entenderem a forma como os operadores especiais agem, passarão a conhecer de perto as suas virtudes e vulnerabilidades, podendo adotar contramedidas para emboscar equipes policiais e ceifar as vidas de seus agentes”, diz o parecer.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]