O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).| Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados
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Entre suas justificativas para a decisão de prender o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que o parlamentar encontrava-se em "infração permanente" ao ter disponibilizado o vídeo em suas redes sociais, e que, por isso, poderia ser preso em flagrante.

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Nesta quarta-feira (17), uma controvérsia se formou em torno da ideia de que um flagrante poderia ser “permanente”, como afirma a decisão, e não só momentâneo. De fato, o Código de Processo Penal prevê em seu artigo 303 que há "infrações permanentes", isto é, que não se dão só em um dado momento, mas se perpetuam no tempo.

Mas, se a disponibilização de um vídeo nas redes sociais pode ser considerada um motivo para prisão em flagrante de forma permanente, isso quer dizer que vídeos publicados há anos podem ser motivo para uma prisão em flagrante, se ainda estiverem no ar? Juristas consultados pela Gazeta do Povo sugerem que sim.

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“Flagrante permanente é aquele onde os efeitos e os elementos do crime perpetuam no tempo. Então, com a manutenção do vídeo, a modalidade de flagrante permanece”, explica o advogado Acácio Miranda, especialista em Direito Constitucional.

O jurista André Gonçalves Fernandes, pós-doutor em Filosofia do Direito pela Unicamp, admite que a possibilidade de flagrante se perpetua enquanto o vídeo estiver no ar. Mas o problema principal, segundo ele, é que não houve crime. “É o absurdo do absurdo, mas chegou a esse nível porque já começou como absurdo. Tudo o que vem depois do absurdo continua sendo absurdo”, diz ele.

Por meio de uma manobra jurídica, Moraes inovou ao trazer para a internet o conceito de infração permanente. “O que veio depois [da publicação do vídeo] é mera disponibilização. Vamos dizer que é um 'flagrante fictício'. O que ele fez foi ajustar uma interpretação, estendendo a noção de flagrante para um ambiente virtual”, explica Fernandes.

Segundo Felipe Balera, doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, a decisão de Moraes “abre um precedente perigoso”. “Se eu pegar um vídeo de anos atrás, talvez nem seja mais a opinião da pessoa, mas ainda se encaixaria nessa permanência do flagrante”, afirma.

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Decisão do STF é controversa por diversos outros motivos

A ideia do “flagrante permanente” é só um dos pontos questionáveis da decisão do STF. A liberdade de expressão também foi atacada sob diversos ângulos com a prisão de Daniel Silveira.

Para Fernandes, a última decisão de Moraes é “mais uma mazela do ativismo judicial que tomou conta do STF”. Ele classifica a Lei de Segurança Nacional, citada como justificativa para a prisão de Silveira, como “altamente duvidosa”. “Ela é feita sob uma égide de valores completamente díspares aos da Carta de 1988”, afirma.

A forma como Moraes usa essa lei para dar embasamento jurídico à sua decisão também é questionável. Entre os artigos citados por ele, nenhum corresponde ao que Silveira fez em seu vídeo. O artigo 17, por exemplo, fala em “tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”. O artigo 22 coíbe a propaganda “de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”.

Outra questão controversa da decisão do STF é a da imunidade parlamentar. Sobre a punição de parlamentares, o artigo 53 da Constituição determina que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Segundo o texto constitucional, parlamentares só podem ser presos em flagrante – como ocorreu no caso de Silveira – quando tiverem cometido crime inafiançável. "Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão", diz a Constituição.

Para se justificar, Moraes afirmou nesta quarta-feira (17), no julgamento em que o plenário da Corte manteve a decisão de prender Silveira, que “atentar contra as instituições, contra o Supremo, contra o Poder Judiciário, contra a democracia, contra o Estado de Direito não configura exercício da função parlamentar a invocar a imunidade constitucional do artigo 53, caput. As imunidades surgiram para a preservação do Estado de Direito”.

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Mas o jurista Ives Gandra, que participou das audiências públicas da Assembleia Nacional Constituinte em 1987 e 1988, disse nesta quarta, em entrevista ao Antagonista, que essa interpretação é equivocada. “O ministro teria que pedir autorização para a Câmara dos Deputados para prender o deputado, como a Constituição determina. Sem autorização do Congresso, insisto, ele não poderia mandar prender, por manifestação, um deputado, que é inviolado em suas manifestações. Isso, a meu ver, pode representar cerceamento da livre expressão dos deputados.”

Discurso atual de Moraes entra em conflito com suas visões do passado

Não só outros juristas de renome, como o próprio Alexandre de Moraes depõem contra sua decisão desta terça-feira (16). No livro de 2002 “Direito Constitucional”, de sua autoria, há um trecho que, a depender da interpretação, entra em conflito com aquilo que o ministro sustentou nesta semana.

“Independentemente da posição adotada, em relação à natureza jurídica da imunidade (parlamentar), importa ressaltar que da conduta do parlamentar (opiniões, palavras e votos) não resultará responsabilidade criminal, qualquer responsabilização por perdas e danos, nenhuma sanção disciplinar, ficando a atividade do congressista, inclusive, resguardada da responsabilidade política, pois trata-se de cláusula de irresponsabilidade geral de Direito Constitucional material”, afirma Moraes.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]