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Em reunião nesta terça-feira (18), Lula se referiu a pessoas com deficiência mental como portadores de “desequilíbrio de parafuso”
Em reunião nesta terça-feira (18), Lula se referiu a pessoas com deficiência mental como portadores de “desequilíbrio de parafuso”| Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

A série de frases desastrosas do presidente Lula (PT) neste início de governo teve um novo capítulo nesta terça-feira (18), quando o petista se referiu a pessoas com deficiência mental como portadores de “desequilíbrio de parafuso”. Ao comentar os atentados em escolas do país, o presidente chegou a sugerir que pessoas com deficiência mental representariam riscos à segurança.

“A OMS sempre afirmou que na humanidade deve haver 15% de pessoas com algum problema de deficiência mental. Se esse número é verdadeiro, e você pega o Brasil com 220 milhões de habitantes, significa que temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso. Pode uma hora acontecer uma desgraça”, disse o presidente ao lado do ministro do STF Alexandre de Moraes em evento realizado em Brasília com ministros e governadores.

A fala gerou uma enxurrada de críticas vindas de entidades e pessoas ligadas à defesa da população com deficiência, rotulando a declaração como capacitista, isto é, discriminatória a pessoas com deficiência, e pedindo retratação a Lula. Por outro lado, ministros do governo federal e aliados do presidente optaram por ignorar os impactos da fala, e o próprio Lula preferiu o silêncio e não se retratou. Silvio Almeida, chefe do Ministério dos Direitos Humanos – pasta do governo responsável pela defesa de pessoas com deficiência – também decidiu não questionar a declaração e ignorou o caso.

Fala é discriminatória, dizem entidades que representam pessoas com deficiência

Em publicação nas redes sociais, a Associação Mãos de Mães de Pessoas com Esquizofrenia (AMME) apontou as palavras do petista como “totalmente desrespeitosas”. “Fala capacitista vinda do Presidente da República, Luiz Inácio Lula. Além desta fala totalmente desrespeitosa para com os que têm transtornos mentais, ainda complementa de que são violentos. Você vai se calar diante disso ou vai dizer que foi só uma brincadeirinha?”, diz a publicação.

O Instituto Lagarta Vira Pupa, com atuação nacional em prol de pessoas com deficiência, foi outro a se posicionar contra a declaração. “(...) o Presidente se expressou de forma capacitista e leviana, trazendo ainda mais estigma para a vidas das pessoas com deficiência e transtornos mentais ao reforçar o senso comum que nos coloca como ‘perigosos’ e ‘violentos’ e, portanto, indignos da convivência em sociedade”, diz um trecho da nota. “Vale ressaltar que PCDs são, na maioria absoluta das vezes, vítimas e não perpetuadores de violência”, prossegue.

O instituto ainda pediu retratação de Lula e aproveitou para cobrar avanços na pauta das pessoas com deficiência a nível federal. “100 dias de governo se passaram e permanecemos estagnados em temas extremamente importantes, principalmente nas áreas da saúde e da educação”, declara a entidade.

Uma das integrantes da ONG, a deputada estadual Andréa Werner (PSB), presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), foi outra a lamentar as falas de Lula e rotulá-las e “profundamente infelizes”.

“Essas falas colocam PCDs em perigo e mascaram o real problema de violência nas escolas, que passa por apoio integral aos alunos e professores e monitoramento de extremistas na internet. Não podemos aceitar uma fala que desumaniza quase 30 milhões de brasileiros vinda do presidente. Precisamos de uma retratação urgente do presidente Lula”, disse Andréa.

Ativistas da causa que apoiaram a campanha do petista à presidência também condenaram o episódio. Ivan Baron, um dos convidados para subir a rampa do Palácio do Planalto ao lado de Lula durante a cerimônia de posse, no dia 1º de janeiro, foi outro a apontar o caráter capacitista da fala de Lula. “O que o Presidente fala é extremamente problemático e não pode ser relativizado”, publicou nas redes sociais.

“Presidente Lula, é extremamente problemático associar deficiência a problema e a quem tem desequilíbrio emocional. Pessoas com deficiência intelectual já passam por diversas situações que as estereotipam na sociedade, como agressoras, violentas e quem não tem o funcionamento intelectual certo, por não seguir o padrão das outras”, afirmou Baron, que tem paralisia cerebral e se denomina “influenciador da inclusão”.

Também apoiador de Lula, o presidente da Comissão Especial de Defesa da Pessoa Autista do Conselho Federal da OAB, Emerson Damasceno, classificou as declarações do presidente de inaceitáveis. “Primeiramente, porque estigmatiza ainda mais quem já sofre diariamente o estigma do preconceito. Além disso, porque vincula deficiência aos terríveis e criminosos massacres nas escolas, quando sabemos que pessoas com deficiência sofrem diariamente, como vítimas, violência fruto do preconceito e do ódio, inclusive nas escolas”, disse Damasceno ao Estadão.

Por fim, a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), ex-integrante de comitê da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência, ressaltou a imprudência do presidente ao abordar o tema. “Capacitista e imprudente a fala do presidente. Os brasileiros com deficiência psicossocial não podem ser acusados de psicopatas. Que Lula se retrate e se aprofunde sobre a diversidade e inclusão. Uma boa política de saúde mental começa com a postura correta de um líder público”, declarou.

O presidente Lula conversa com o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, durante reunião em Brasília sobre a segurançaa no ambiente escolar (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)
O presidente Lula conversa com o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, durante reunião em Brasília sobre a segurançaa no ambiente escolar (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)| JoŽdson Alves/Agncia Brasil

Autora de denúncia contra humorista por suposto capacitismo, Tabata Amaral evita criticar Lula sobre fala polêmica

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), integrante do bloco governista da Câmara dos Deputados, evitou o emprego de medidas incisivas em desfavor de Lula com relação ao episódio. Em fevereiro, a parlamentar atraiu muitas críticas ao fazer uma representação criminal ao Ministério Público de São Paulo contra um humorista por uma piada feita em um palco de stand-up na qual o comediante narrava um caso em que teria se relacionado sexualmente com uma mulher cadeirante. A parlamentar apontou a existência de capacitismo, e devido à repercussão da denúncia na mídia o humorista, que não vivia exclusivamente da comédia, foi demitido do seu trabalho fixo.

Tabata, que costuma reivindicar a defesa das pessoas com deficiência e de outros grupos, tem um histórico de medidas enérgicas e até mesmo desproporcionais contra autores de declarações consideradas ofensivas aos grupos que defende. No mês passado, a parlamentar chegou a pedir a cassação do mandato do também deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) por ter feito uma fala supostamente transfóbica.

No entanto, em relação à recente fala de Lula, a deputada fez apenas uma publicação sobre o episódio nas redes sociais em que sequer cita Lula diretamente. “Doença mental não é mimimi, não é falta de Deus, não é brincadeira, tampouco é ‘desequilíbrio de parafuso’. É um tema sério, que merece atenção de todos. Protocolamos hoje nossa Frente Parlamentar Pela Promoção da Saúde Mental, da qual eu terei a honra de ser a presidente”, disse a deputada.

Em resposta à postagem, o deputado Junio Amaral (PL-MG) questionou o duplo padrão empregado por Tabata em relação a casos de suposto capacitismo. “Vai tomar alguma providência como fez com o humorista? Ou esse tipo de ‘humor’ do seu presidente tem o aval da militância hipócrita da qual você faz parte?”, indagou o deputado.

Posicionamento Ministério dos Direitos Humanos

A Gazeta do Povo pediu um posicionamento sobre as declarações do presidente ao Ministério dos Direitos Humanos e à Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, ambos vinculados ao governo federal. Até o momento não houve retorno à reportagem.

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