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Em 2015, deputados protestaram contra manifestações progressistas
Em 2015, deputados protestaram contra manifestações progressistas| Foto: LAYCER TOMAZ

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) colocou a expressão "cristofobia" na ordem do dia da política ao citar o termo durante seu discurso à assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU), veiculado na terça-feira (22). "Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia", afirmou o chefe do Executivo em um trecho de sua fala.

A perseguição a praticantes de religiões cristãs mencionada pelo presidente passou a fazer parte da agenda do Congresso Nacional nos últimos anos. Desde 2012, o termo "cristofobia" é visto em discursos, debates e propostas do Legislativo brasileiro, em especial na Câmara dos Deputados. A expressão é empregada tanto por quem vê o ataque aos cristãos como um problema a ser combatido quanto por quem considera que tal questão não é uma realidade no Brasil. A atual legislatura, em que há um número maior de deputados declaradamente de direita e conservadores, tem produzido mais ocorrências da utilização do termo.

"Hoje certamente o ambiente é mais propício para falar sobre cristofobia do que na época que me tornei deputado. Em nove anos lutamos muito contra o preconceito contra cristãos, especialmente os evangélicos. No início éramos alguns poucos abnegados", afirmou o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), que exerce mandato no Congresso desde 2011.

A menção mais antiga a "cristofobia" nos discursos registrados no sistema da Câmara vem de julho de 2012, quando o deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP) a utilizou em uma fala no plenário. O parlamentar, que é pastor evangélico, discursava para repudiar um crime de motivação homofóbica ocorrido naquele ano e pedia mais ações contra o preconceito: "Sou contra a homofobia. Sou também contra a heterofobia. Sou contra a xenofobia. Sou contra a cristofobia. Sou contra a ditadura, a ditadura da maioria e a ditadura da minoria, sob quaisquer aspectos. Sou contra a ditadura da imprensa, quando esta se desvirtua, e contra a ditadura religiosa, quando esta se perde em sua razão de ser".

"Há mais cristofobia do que homofobia"

Em maio do ano passado, o deputado Eli Borges (Solidariedade-TO) citou a "cristofobia" durante um debate da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Os parlamentares discutiam um projeto da deputada Maria do Rosário (PT-RS) que prevê punições aos responsáveis pelos chamados "crimes de ódio". O tema é caro à bancada evangélica porque, na avaliação de parlamentares do segmento, pode punir religiosos que tomam decisões de acordo com suas crenças.

"Aliás, eu sou um exemplo claro de que há mais cristofobia no Brasil do que homofobia. Já disse e vou repetir: quando defendi a legislação estadual sobre o tema, tirando termos fortes do tipo 'promover o debate', 'material pedagógico', 'política específica', eu estava preservando a inocência das crianças. Estaria eu sendo homofóbico? Não. E por que não? Exatamente porque ali eu reforçava também a não discriminação", declarou Borges na audiência.

O deputado, que está em seu primeiro mandato, empregou o termo outras vezes durante discursos no plenário da Câmara. Outro estreante na Câmara, Otoni de Paula (PSC-RJ), lançou mão da "cristofobia" em duas ocasiões.

O combate à "cristofobia" foi tema de uma sessão solene realizada em novembro do ano passado na Câmara. O encontro foi requisitado pela deputada Chris Tonietto (PSL-RJ) - que também está em primeiro mandato. A parlamentar é autora de um projeto que modifica o Código Penal para aumentar a pena para crimes cometidos contra a religião. Na justificativa da proposta, Tonietto fala sobre a "cristofobia".

"Bolsonaro pode ter se inspirado em nosso projeto"

A proposta de Tonietto foi apensada a uma proposta em 2015 pelo ex-deputado Rogério Rosso (PSD-DF). Apensar, no jargão do Congresso, é unificar projetos de teor semelhante, para evitar tramitação duplicada. A proposição de Rosso também visava a modificação do Código Penal para ampliar a punição aos crimes de vilipêndio religioso. O ex-deputado também mencionou a "cristofobia" na justificativa de seu projeto: “a intenção desse projeto de lei é proteger a crença e objetos de culto religiosos dos cidadãos brasileiros, pois o que vem ocorrendo nos últimos anos em manifestações, principalmente LGBTS, é o que podemos chamar de ‘Cristofobia’, com a prática de atos obscenos e degradantes que externam preconceito contra os católicos e evangélicos”.

Quando Rosso apresentou sua proposta, a Câmara era presidida por Eduardo Cunha (MDB-RJ), que é uma liderança evangélica. Na ocasião, o emedebista disse que daria urgência à iniciativa de Rosso. Mas o projeto acabou não avançando. "As mesas do Congresso entenderam que aquela não era a prioridade. Mas o importante é que pelo menos iniciamos o debate sobre o assunto, para garantir mais respeito à religião, independentemente de qual for o credo", afirmou Rosso à Gazeta do Povo.

A proposição de Rosso foi protocolada como uma reação a uma performance da atriz transexual Viviany Beleboni, que na Parada LGBT de São Paulo em 2015 simulou a crucificação de Jesus Cristo. O episódio despertou, à época, muitas críticas das lideranças religiosas.

Segundo Rosso, sua proposta foi uma demonstração de "sintonia com a sociedade". O ex-deputado viu de modo positivo a menção à "cristofobia" por parte do presidente Bolsonaro: "Ele deve ter se inspirado em nosso projeto", comentou. A proposição está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

Outro incidente que pôs em choque setores conservadores e progressistas e motivou uma proposição no Legislativo foi a exposição artística Queermuseu, de 2017. A mostra trazia, entre suas peças, obras que mesclavam elementos religiosos com itens da cultura LGBT. O ex-deputado Vitor Valim (MDB-CE) mencionou a "cristofobia" para criticar a exposição e sugerir um projeto de lei para o estabelecimento de barreiras etárias em mostras artísticas. A iniciativa foi apensada a outras de teor semelhante - algumas protocoladas ainda em 1996.

Discutir tema representaria "falência do parlamento", diz petista

A deputada Erika Kokay foi uma das primeiras integrantes do Congresso Nacional a falar de "cristofobia". Em 2013, a parlamentar mencionou a expressão em tom de crítica, ao dizer que, em sua ótica, os defensores do estado laico estavam sendo acusados da prática.

Sete anos depois, a petista mantém a opinião de que não faz sentido falar sobre "cristofobia" no Brasil. Para ela, Bolsonaro e seus apoiadores "inventam conceitos para justificar o estímulo às discriminações que eles exercem". "Isso é para tentar conter uma sociedade que eles não querem que seja plural. Eles buscam eliminar todo tipo de diversidade e só considerar o outro que for um espelho deles", disse. A deputada também definiu a "cristofobia" com um dos "'inimigos imaginários" que Bolsonaro criaria, como parte de sua estratégia política.

Mesmo com o fortalecimento das correntes conservadoras, Kokay disse que "tem convicção" de que o debate sobre a criminalização da cristofobia não tende a prosperar no Congresso Nacional. "Penso que o Brasil avançou o suficiente em sua construção democrática para que não se promova esse tipo de mudança na legislação", afirmou.

"Se porventura o parlamento discutir e colocar em pauta essa questão da cristofobia, vai estar decretando sua falência enquanto poder representativo da sociedade brasileira. Vai estar se curvando para o obscurantismo, promovendo o rompimento da laicidade do Estado. Creio que o parlamento não irá criminalizar o que não existe para justificar crimes de discriminação", acrescentou.

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