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Ando com muita preguiça. Aquela vontade de fazer nada. Olhar as coisas e considerá-las sem ênfase, como queria Drummond. A preguiça regenera a alma e o corpo. A iluminação súbita de que nada vale a pena, nada vale o nosso esforço, pelo menos agora. Por que não daqui a pouco? Daqui a pouco estarei pronto para agir – mas agora quero ficar quieto. E sem prazo, por favor, que cria ansiedade.

O brasileiro tem fama de preguiçoso. O grito marcante de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter criado por Mário de Andrade, é justamente "ai, que preguiça!" Dizem que o trabalhador brasileiro é menos produtivo que os outros, mas me parece que isso é apenas um álibi de outras incompetências, às vezes úteis: a demora em obras oficiais, por exemplo, que é o padrão também oficial brasileiro, rende riquezas rápidas, fulminantes e insuspeitadas, nos ágeis e eficientes "regimes de urgência" que dispensam controle e papeladas. Por que fazer certo se o errado é mais lucrativo?

Em defesa da minha preguiça, invoco a história do Brasil, um país que foi determinado, em praticamente tudo, da cultura à economia, pela instituição da escravidão. Fomos o último país a nos livrar oficialmente dela no mundo. Do século 16 ao século 19, a escravidão permeou todas as instâncias da vida brasileira: a rural, dominante, e a urbana, subsidiária. A ideia de "trabalho", o seu simples conceito, sempre foi ofensiva para a cultura brasileira – as magníficas memórias de Brás Cubas, na obra-prima de Machado de Assis, relatam a vida inteira de um homem sábio e letrado que dedicou-se com afinco e determinação a jamais fazer coisa alguma. Na biografia do Barão de Mauá – um louco que tentou modernizar o Brasil imperial –, Jorge Caldeira relata que a desgraça do barão começou quando, num gesto simbólico, pediu ao imperador Pedro II para puxar um carrinho de mão e dar a partida às obras da primeira estrada de ferro do Brasil. Um imperador fazendo trabalho de negro! O barão foi à falência e, nas idas e vindas, até hoje não temos estradas de ferro, embora a tal Norte-Sul, que nunca fica pronta, dê muita renda.

Vendo do outro lado, o do escravo, que precisa negociar em cada minuto a sua sobrevivência, a preguiça é um valor ético. A imoralidade radical da escravidão determina a minha liberdade: cada momento que engano o criminoso que me prende representa uma conquista moral minha, uma percepção também assimilada pelo dono de escravo, para "naturalizar" a relação. Posto assim, o fim da escravidão deveria levar também ao fim da sua lógica perversa, porque a produção econômica ganha um novo patamar e a cultura universaliza o conceito de cidadão. Mas, no Brasil, ela contaminou de tal forma o cotidiano de três séculos de relações sociais, que parecemos ainda movidos a senhores e escravos.

Mas eu ia falar da preguiça – e já estou aqui, incompetente, quebrando a cabeça nesse frio da manhã.

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