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O mundo moderno nasceu otimista – a separação da ciência e da religião, a crença no progresso como uma força teleológica, as incríveis conquistas científicas, a urbanização, a melhora no padrão e na expectativa de vida de cada vez mais gente, tudo isso foi consolidando a ideia de que todas as coisas melhoram automaticamente, como na dialética de bar. Nem a tragédia das duas grandes guerras do século 20 e os massacres e genocídios de esquerda e de direita chegaram a empanar essa crença otimista.

Parece que o momento seguinte purga os pecados e absolve a história. E, no Brasil, sempre mais ou menos confortável no seu berço esplêndido, e sempre mais ou menos longe dos grandes furacões do mundo, o otimismo parece estar no DNA do país. Que, como se sabe no mundo inteiro, sempre sorrindo, é o país do carnaval.

De fato, sem afundar em nenhuma das grandes histerias utópicas, ao longo da história os brasileiros foram escapando misteriosamente de alguns buracos; a cultura do país é multifacetada, sua produção de riquezas tem uma complexidade tal que vem se mostrando quase que à prova de incompetência, e a jovem democracia está se aguentando bem, tranco atrás de tranco. Vendo o que acontece na Argentina ou na Venezuela, para dar dois exemplos literalmente mais gritantes, o Brasil até parece uma Suíça. Lula jamais seria um Chávez, Dilma não tem nada a ver com Cristina, e nem o povo brasileiro parece ter vocação sistemática para o martírio suicida, essa incrível mistura de religião, necrofilia, paixão incendiária pelo golpe, salvacionismo messiânico e o clássico horror à realidade que marca grande parte da cultura latino-americana.

O que temos mesmo, de muito pesado, é a invencível herança escravocrata, patrimonial e paternalista que se sustentou desde sempre por um gigantesco Estado-babá, de tetas generosas e conciliadoras, mas sempre criteriosamente seletivas. O monstro brasileiro se arrasta lento e sem alarde – ao ver a fotografia de uma reunião da presidente com seus 39 ministros (alguém é capaz de recitar o nome de cinco deles? – tudo bem, três?), pensei: será que, como Galileu diante da Inquisição, podemos surrurrar e pur si muove ("e, no entanto, se move")?

Move-se, para trás. No Brasil, cada eleição é uma hecatombe administrativa que começa dois anos antes – com a eficiente mãozinha do diabo, como esclareceu a presidente. Ao país mais violento do mundo, soma-se o país que prossegue incapaz de dar um padrão razoável de ensino a suas crianças e jovens: segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), quase a metade dos municípios e das escolas continua desgraçadamente abaixo das metas mínimas de desempenho. Nada surpreendente que o Congresso, que é o retrato fiel do Brasil, escolha o pastor Feliciano para presidir a Comissão dos Direitos Humanos.

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