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Fico imaginando qual seria minha Copa inesquecível. Bem, nunca vou esquecer a Copa de 70, quando eu começava a me tornar oficialmente adulto, chegando aos 18 anos. Dela, lembro nítida a tensão entre a ditadura militar e o fascínio da seleção, que era fantástica. Vivi de forma intensa a clássica esquizofrenia brasileira diante do futebol: o desejo de torcer, o crescente envolvimento emocional com o jogo, em luta contra a percepção de seu grosseiro uso político. Na ditadura, essa consciência era muito pesada. Ainda tenho diante dos olhos a carranca de um simpático general Médici de radinho de pilha no ouvido, a testona franzida, enquanto sua turma descia o porrete nos porões.

Mas os jogos eram irresistíveis, ainda mais com a hipnose da televisão, pela primeira vez em transmissão direta. E, coroando tudo, além das vitórias acachapantes, a inteligência futebolística de Pelé e seus "gols-conceito" – o jogador dos mil gols seria também especialmente louvado pelos que não fez, como aquele chute de inopino, hoje clássico, lá do meio do campo tentando encobrir um goleiro adiantado e distraído.

Dali para a frente, as Copas vão se diluindo na minha memória. Sofri terrivelmente com as belas seleções de Telê e vibrei amarelo com a vitória nos pênaltis, em 1994. Tudo bem, ganhamos. Mas só nos pênaltis? Ficou um travo. Em 2002, a sequência de vitórias do Felipão foi maravilhosa, é verdade, reforçada pelas madrugadas insones, horários ao contrário, ordem e vida caseira bagunçadas pelo futebol. E, dando o toque nativo, a seleção tinha Kleberson, com seus passes na medida, jogando aqui pelo Atlético Paranaense. Só isso valia o ingresso às 4 da manhã, via despertador.

Agora, para ser bem sincero, a minha máxima Copa é a deste ano. Antes mesmo de acontecer, esta Copa já é inesquecível. Como seria bem melhor se ela acontecesse no Finlândia ou em Madagascar, para curtir de longe! Minha primeira Copa sem compromisso pela frente, desempregado feliz, escritor em férias!

O problema é que a Copa mora ao lado. Como todo brasileiro, venho acompanhando a inacreditável sucessão de atrasos e desastres, o superfaturamento, os operários mortos, a opressão da ineficiência, o escandaloso uso político da publicidade do Banco do Brasil, da Caixa, da Petrobras, em plena campanha eleitoral. Tudo isso sobre o estranho clima de anomia da invencível República do Anarco-sindicalismo que vem varrendo o país. Uma Copa realmente inesquecível. O país do futebol protege jogos em festa com divisões do Exército.

Não importa. Completei com o meu filho Felipe o álbum de figurinhas! Vamos ver ao vivo Honduras e Equador e conhecer a nova Baixada! Já sei de cor o nome dos jogadores importados da nossa seleção, e tenho certeza de que Neymar será o craque do ano. Um sopro tribal, por séculos adormecido, começa a se desentranhar da alma. A Copa vem aí.

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