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No clássico Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, uma distopia publicada em 1932, desenha-se um mundo ideal em que as pessoas não ficam velhas. Todos nascem em incubadeiras, há uma programação genética na produção de seres humanos e cada indivíduo é biologicamente desenhado para a sua classe social. Como não há pais e mães (palavras sentidas como de baixo calão, assim como gravidez, coisa de "animais"), todos vivem permanentemente em público, numa rede social total. O sexo é livre (ficar muito tempo com alguém é sintoma antissocial grave). Os livros, objetos que estimulam a solidão, são banidos. Desde criancinhas os habitantes são condicionados a odiá-los. Bebês, assim que tocam os livros em treinamento, levam choques elétricos, para se afastarem deles. Tudo é projetado para a felicidade e para a alegria. O cinema é pura fruição sensorial – lembra as fitas em 3D que estão na moda. Se ainda assim as pessoas sentirem angústia, comprimidos de "soma" (uma espécie de prozac) são distribuídos para elas voltarem ao "normal".

Quando se tornam adultos, os habitantes deste mundo fantástico "estacionam" fisicamente no tempo – aos 20, 40 ou 60 anos terão sempre a mesma aparência jovem. Eles morrem, é verdade – mas a morte é desprovida de pathos. Ao chegar a hora, as pessoas são sedadas e colocadas em campânulas de vidro, em salões visitados por crianças em festa, que terão aulas desencucadas sobre o fenômeno científico da morte.

Se no aspecto prático, a fantasia de Huxley é decididamente delirante – a ideia de seres humanos produzidos em massa em incubadeiras não dá para levar a sério –, no aspecto cultural ela representa uma das mais agudas antevisões do mundo contemporâneo, até mesmo no nosso horror ao envelhecimento físico, à própria ideia de velhice. Tudo na civilização contemporânea está voltado ao culto da juventude. Mas talvez seja o momento de se repensar esse quadro mental.

Não, não se trata de um discurso moralista edificante, do tipo bíblico. É o próprio capitalismo e sua fantástica capacidade de se transformar e, talvez, comece a perceber que nosso mundo será cada vez mais um mundo de velhos. E velhos aposentados, com dinheiro e tempo de sobra. Os pacotes turísticos já descobriram essa fonte de renda, faz tempo. Mas a indústria de entretenimento eletrônico ainda não percebeu que, depois dos 65, vai ficando cada vez mais difícil mexer com as quinquilharias tecnológicas em oferta: celulares com 307 funções (qual o botão de falar?) ou micro-ondas com teclas sem relevo (ruim para quem sofre da vista). Para desgraça dos surdos, nas transmissões de tevê digital dos pacotes a cabo, somem as legendas (closed captions) dos noticiários, novelas e filmes; e tocadores de DVD exigem um curso do usuário para chegar ao play. E assim vai: parece que na tecnologia de ponta, não há vaga para a terceira idade.

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