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Para quem vive em torno da literatura, uma das diferenças mais notáveis entre o fim do século 20, do meu tempo de formação, e este início de século 21, em que se movem os novos e novíssimos, é a surpreendente quantidade de eventos literários no país. Entre os anos 70 e 90, no silêncio da ditadura e na década que se seguiu, carcomida pela inflação e pelo arrasto da era Sarney, não havia nada além de bienais burocráticas no Rio e São Paulo, por onde a literatura brasileira desaparecia pelo ralo, e algumas feiras capengas de livros, com a exceção especial da Feira de Porto Alegre. Mas, em seguida à modernização econômica propiciada pelo Plano Real, mais as políticas culturais baseadas na Lei Rouanet, o panorama mudou, ainda que a literatura permaneça a prima pobre dos incentivos fiscais.

Hoje, não há praticamente uma região do Brasil que não tenha sua festa anual de literatura, que vem deixando de ser apenas uma fila de barracas para vender livros. Agora, o que conta mesmo são os debates literários, espaços de ampliação de repertórios culturais, que repercutem nos jornais, nos blogs, na revolução da internet. A estrela neste processo foi a Flip, de Paraty, cujo prestígio deu um charme internacional à nossa literatura e estimulou a criação de dezenas de eventos semelhantes no país. Parece estar havendo um processo de recuperação e valorização da palavra escrita, que, no Brasil dos anos 70 e 80, foi devorada pela oralidade dominante da tevê. E o inacreditável aconteceu – dá para viver de literatura, ou, mais precisamente, do livro e seus derivados. Continua sendo difícil, é verdade, mas não impossível. E talvez outro milagre esteja no horizonte, ainda que em ritmo mais lento: a boa ficção do país recuperar o próprio leitor brasileiro, que ela perdeu a partir da década de 70.

Pois, na minha vida trepidante de camelô literário, tenho comprovado essa transformação. Acabo de chegar de São Francisco Xavier, um simpático vilarejo no interior de São Paulo, onde participei dos "diálogos com a literatura" do VII Festival da Mantiqueira, tendo o prazer de ouvir debates de prosadores fortes da minha geração literária, como Bernardo Kucinski, Elvira Vigna e Evandro Affonso Ferreira.

E pouco antes estive em Lages (SC), que entra no circuito brasileiro com o I Salão do Livro da Serra Catarinense. Sou um escritor de empedernida alma curitibana, mas nasci em Lages, onde vivi até os 8 anos de idade, o que não é pouco; de lá trouxe o sotaque que não me larga, e uma infância marcante. Aliás, uma infância vivida nos arredores da Praça Joca Neves, exatamente onde se instalou o Salão. Assim, falar naquela praça e receber uma homenagem da cidade em que nasci foi uma sensação muito boa. Escritores são pessoas duras, frias e calculistas; mas às vezes têm surtos sentimentais. Rever Lages depois de tantos anos foi um desses momentos.

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