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 | Ilustração: Gilberto Yamamoto
| Foto: Ilustração: Gilberto Yamamoto

Curitibano jamais visita alguém sem avisar antes, uma regra que vale tanto para os vizinhos de prédio quanto para os amigos longínquos. O resultado é que vamos nos encapsulando num conforto sem riscos, de emoções cuidadosamente controladas. Pois na semana passada saí de casa seguindo a aventura geográfica que percorro duas vezes por semana e que me tira do miolo da cidade para os confins de São João, nos limites de Curitiba.

Ao espichar o mapa do GPS, que resolveu minha tradicional incapacidade de orientação topográfica, percebi que duas quadras adiante não existia mais nada – o mundo acabava súbito em 120 metros, conforme informava a telinha falante. Temeroso daquele vazio, fiz a volta e digitei "Toaldo Túlio", bairro de Santa Felicidade, segunda parte da viagem, para onde avancei por atalhos até reencontrar, depois de quase um ano, três e-mails e um aviso por telefone, meu amigo Carlos Dala Stella, que conheci bem antes de ele se tornar o artista plástico que é hoje. Começamos juntos um mestrado de Letras, nos anos 1980, e dali ele enveredou para a pintura, mas sem jamais perder o contato com a literatura, o que é visível em seu trabalho.

Em poucos minutos, atravessando um portão, passei da agitação dos carros para um corredor inesperado e tranquilo de araucárias, uma pequena chácara encravada e protegida no bairro, com um cachorro, pássaros, verde em toda parte, o céu cortado de copas de árvores, um breve frio de outono. No meio de tudo, Dala Stella ergueu seu ateliê, um espaço a um tempo discreto e amplo, com dois andares abertos e vazados de luz por altas faixas de vidro. Enquanto ele fotografava alguns desenhos e bicos de pena seus que estavam comigo, e que farão parte de um novo projeto que está criando, perambulei pelo ateliê admirando os quadros expostos e relembrando sua arte.

Um ateliê de pintura é sempre um espaço que me agrada muito, uma síntese física de um modo pessoal de ver o mundo, pela via da imagem, do traço, da combinação de formas e cores, como alguém que vive dentro de sua própria obra. Posso sentir essa ligação também na literatura, mas o texto nunca se deixa ver completamente (daí porque um escritório de escritor em geral diz pouco), enquanto a pintura, na sua apreensão instantânea, escancara-se ao olhar. O ateliê do Carlos é ele inteiro, em cada detalhe. Surpreende no seu trabalho – que eu revia com prazer, para onde quer que olhasse – o domínio de muitas técnicas, dos retratos a lápis e bico de pena (ele é um desenhista refinado), passando pelos recortes em cartão com seus efeitos de luz e sombra, aos impactantes murais em tela, concreto ou vidro. Sobre a mesa maior, folheei uma coleção de cadernos, ou diários, em que poesia e desenho se alternam página a página.

Na despedida, ainda ganhei de presente uns dois quilos de pinhão colhidos na hora. Uma visita maravilhosa.

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