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Esta história se baseia em fatos reais. Por vezes, as exigências da narrativa podem nos obrigar a tomar liberdades com fatos e personagens reais. Foi com o exército aliado que aconteceu o que vai se narrar. Dizemos, porém, que foi com o inimigo. Talvez tenha acontecido a mesma coisa a outros exércitos. Deserção, traição, frouxidão, covardia e outras pragas grassam de parte a parte numa guerra. Como os heroísmos.

Éramos 39 no alto comando. O inimigo, que pensávamos valer vinte centavos, nos atacou, furioso como sempre e melhor aparelhado. Havia uns monstros entre eles. Os vândalos. Estão descritos no relatório. Feriram muitos dos nossos. Não podendo resistir mais, debandamos, mas em boa ordem, em formação, como descrevem as normas militares para tempos de guerra.

Reunimos nossos generais na retaguarda, num planalto seguro, para decidir os próximos passos com a comandante em chefe – a quem não devemos lealdade e obediência. General Mercadante foi o primeiro a falar: "Só nos restam as táticas diversionistas!" "Como assim, companheiro? Botar o bode no meio da sala? Por que não o boitatá, ou a mula-sem-cabeça?" "Melhor, vamos discutir reformas políticas. É disso que a massa ignara gosta: reformas genéricas e catraca liberada." "Lance de gênio, general! Jogaremos a base aliada aos vândalos!" "A ordem é distrair o inimigo com reformas seguidas de plebiscito." "Plebiscito?" "Se não souberem o que é plebiscito – o que é normal, tratando-se dos ignorantes que formam nossas fileiras –, lançamos a proposta do referendo." "Referendo?" "Perfeitamente. Até aprenderem a diferença entre plebiscito e referendo, a Copa do Mundo é nossa. E não se fala mais nisso!"

"General Mercadante, peço a palavra." "É toda sua, general Padilha!" "Dentro dessa manobra diversionista, minha proposta seria fazer dos médicos bucha de canhão!" "Esplêndido! Mas de que forma, general Padilha?" "Simples assim: podemos aumentar de seis para oito anos o ensino de Medicina. Em seguida, ameaçamos com a importação de médicos cubanos para calar a boca da máfia de branco."

Frente ao alvoroço do Estado Maior, o murro na mesa da comandante em chefe fez silenciar a barraca de campanha: "Companheiros, combinamos esta estratégia com os adversários?" A resposta foi um silêncio ainda mais carregado.

Diante do generalizada omissão, a comandante em chefe empunhou a espada e ordenou "avançar!" Ninguém avançou. Todos marcharam para trás, fugindo do inimigo. A comandante resistiu só, solamente sozinha, solita, solitinha da silva.

(O título é paráfrase do romance Avante, soldados: para trás, de Deonísio da Silva, um relato sobre a Guerra do Paraguai que mereceu o Prêmio Internacional Casa de las Américas)

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