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Não chega a ser nenhum fim do mundo o papa ficar preso no engarrafamento, pelo menos no Brasil. Seria muito pior se o papa não conseguisse botar o pé na estrada. Mais ou menos como aconteceu em outubro de 1991, quando João Paulo II foi a Florianópolis beatificar Madre Paulina.

Da beatificação à canonização, o longo processo exige a comprovação de pelo menos três milagres. O quarto milagre da italiana Amabile Visintainer, a primeira santa do Brasil, não beneficiou apenas uma pessoa. Curou da morte uma cidade inteira: Nova Trento, em Santa Catarina.

A terra de adoção da primeira santa brasileira tinha, então, em torno de 7 mil habitantes e minguava a olhos vistos. Sofria do mesmo mal de tantas outras pequenas cidades do interior: êxodo rural, carência de emprego e educação. Estava em metástase, com degradação econômica generalizada, quando foi anunciado o milagre da canonização.

Enquanto Florianópolis confessava seus pecados embaixo de chuva, sussurrava-se que João Paulo II, antes da cerimônia pública na capital, iria rezar na velha Igreja de Madre Paulina em Nova Trento. Por desejo próprio e fora do programa oficial, Karol Wojtyla chegaria de helicóptero, antes do amanhecer, no maior sigilo.

Pelas catacumbas da boataria, porém, a notícia chegou um dia antes do papa. E ganhou veracidade quando o convento das freiras foi requisitado pela Polícia Militar e um terreno ao lado da capela de Madre Paulina foi transformado em heliporto. De boca em boca, filas de carros começaram a se formar no caminho para o santuário. Era uma noite fria e úmida. Mesmo assim, além de a Polícia Militar ter fechado a estrada no início da noite, centenas de neotrentinos conseguiram furar o cerco à espera do papa, dormindo no carro, tomando vinho, comendo polenta e jogando cartas. Eu estava entre eles.

O dia amanheceu chuvoso, com a manta de nuvens encobrindo as montanhas do vale. Foi durante a movimentação das famílias a improvisar o café da manhã que se ouviu, nos fundos da igreja, do alto do morro envolto em neblina, o ronco de um motor que ecoava longe: PÁ-PÁ-PÁ-PÁ-PÁ...

"É o helicóptero! O papa chegou!" Num alvoroço, a multidão cercou o improvisado heliporto. Crianças em disparada, mulheres correndo atrás, os incrédulos se abraçando felizes, o povo cantando: "A bênção, João de Deus...". Aos poucos, as pessoas foram se calando, e eis que o motor surgiu por inteiro da neblina: PÁ-PÁ-PÁ-PÁ-PÁ...

A esperança acabou com o ronco de um trator contornando o morro. Retido em Florianópolis pelo mau tempo, o helicóptero do papa não passou de um trator abrindo o caminho da roça. Era o papa que não desceu do céu.

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