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A Pequena Vendedora de Fósforos, do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, é um dos contos clássicos de fim de ano. Desses que se ouve desde criança. Ou que se ouvia. A história dos sonhos de uma menina pobre numa fria noite do réveillon parece cada vez menos lembrada. Sinal dos tempos. O final é triste – um incômodo numa época em que ser feliz (ou aparentar sê-lo) é quase obrigação. Mas, para os que se aventuram em suas letras, chegar à sua derradeira palavra é encontrar esperança. E para nós, brasileiros, algo mais: a lição de um povo.

A história se passa numa noite gelada de 31 de dezembro de meados do século 19. A pobrezinha tenta vender fósforos. Mas ninguém lhe dá atenção. Todos estão apressados. Desanimada e quase congelando em meio à neve, ela senta-se em um canto da rua. Pensa em riscar um fósforo. Titubeia. Precisa levar dinheiro para casa. Ou o pai vai bater-lhe. Mas seus pés descalços e suas mãos estão dormentes de frio. A necessidade a faz acender um dos fósforos. O calor a aquece. E a menina sonha estar à frente de uma lareira. Mas o fogo se esvai.

A garota risca outro fósforo. A luz ilumina o interior de uma casa, onde ela vê um banquete de réveillon. A garotinha fantasia ser uma das convidadas. Mas o fogo se apaga. E também sua imaginação. O frio segue intenso. Ela acende mais um fósforo. A chama que vê se multiplica em velas que ardem numa bela árvore de Natal. E as luzes do pinheiro se transformam, então, em estrelas do firmamento. Uma delas cai. E a chama se vai, de novo.

A menininha lembra do que sua avó, já morta, havia lhe dito: toda vez que se vê uma estrela cadente, uma alma sobe ao céu. Ela sente saudade da vovó, a única pessoa que havia lhe dado carinho neste mundo. E risca então outro fósforo. A luz traz-lhe a vó amada. Naquele pequeno instante que o fogo dura, o coração da menina se aquece. E ela deseja que a vovó a leve a um lugar sem fome nem frio. E, antes que a chama da esperança se apague, a avó lhe dá um abraço forte e terno. A garotinha é achada na manhã do ano-novo. Morta. Mas com um sorriso no rosto. Ela teve esperança até o fim.

A Pequena Vendedora de Fósforos é ainda uma lição ao Brasil. Muito provavelmente Andersen se inspirou em casos verídicos de crianças submetidas à pobreza extrema, ao trabalho, à violência doméstica, à desatenção da sociedade. Talvez não tenha vivido para ver sua Dinamarca superar esses problemas e se transformar numa nação com altíssimo desenvolvimento humano.

Andersen não deu nome à garotinha. Tampouco uma nacionalidade. Mas é inevitável, pelo ambiente da narrativa e pelo autor, imaginá-la uma pequena dinamarquesa. Apesar disso, aquela realidade – à exceção da neve – bem que poderia ser a de uma brasileirinha anônima, moradora da periferia de uma grande cidade e que vê seus sonhos se apagarem tão rapidamente quanto a chama de um fósforo. Mas os dinamarqueses mostraram que é possível evitar esse drama social. Esse é um bom motivo para renovarmos as esperanças no ano-novo.

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