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Há poucos eventos que mexem tanto com o imaginário do curitibano como a neve de 1975, que ontem completou 37 anos. Quem a viu relembra saudoso. Aqueles que a perderam esperam ansiosos pelo dia em que a cidade vai se cobrir de branco novamente.

Talvez a justificativa para a obsessão curitibana pela neve tenha um quê de complexo de superioridade. O fenômeno meteorológico reforçaria a imagem europeia de Curitiba: o branco e gelado coroamento estético das origens étnicas da cidade, algo que diferencia a capital paranaense do resto do país e a coloca mais próxima do Primeiro Mundo. Mas alguns poderiam virar o argumento do avesso e ver nele uma manifestação de inferioridade. Se a tese do determinismo climático estiver correta, a escassez histórica de nevadas na cidade mostra o quão longe Curitiba está (e sempre estará) das frias nações desenvolvidas, habituadas rotineiramente à neve.

Outra aposta bem mais simpática para explicar a fascinação está no contraditório e inesperado efeito que a nevada provocou na cidade – uma lembrança que passa de pai para filho como se fosse uma preciosa relíquia de família. Frio e umidade são elementos que costumam reforçar a tradicional sisudez do curitibano. Nessas condições, o povo encolhe-se, tranca-se em casa. Mas aquele 17 de julho foi completamente diferente. As pessoas saíram às ruas, felizes. Congratularam-se com completos desconhecidos.

A neve que se acumulou branca nas ruas e casas paradoxalmente quebrou o gelo pelo qual o curitibano é conhecido. Talvez Curitiba, desde então, esteja esperando que caia do céu aquele clima de novo – meteorológico e humano. Ao redor dos bonecos de neve formou-se um efêmero, mas forte sentimento de comunidade – algo tão raro e marcante como a nevada de 75. Quem sabe a expectativa pelo dia em que vai nevar de novo seja tão-somente a esperança de vivenciar uma cidade mais aberta, como naquele improvável dia gelado.

As duas explicações embutem visões diferentes que o curitibano tem da cidade. E, em última análise, a preferência por uma ou outra pode indicar o que cada morador quer para a capital. A justificativa primeiro-mundista reforça a ideia de Curitiba como uma ilha europeia dentro do Brasil tropical. Marca uma identidade forte. Aspira à glória da capital. Mas traz um efeito colateral: uma certa aversão nativa aos forasteiros de outras plagas de um país quente e indolente. A segunda interpretação é mais democrática. Reconhece a reserva curitibana. Mas aposta que cada um, por mais fechado que seja, está disposto a abrir-se ao outro, ao desconhecido. Ainda que para isso tenha de nevar.

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