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A paixão é um sentimento que extrapola em muito o simples gostar. Encantamento pelo objeto do desejo talvez seja a palavra que melhor defina o que sentem os apaixonados – algo tão forte que os leva a fazer aquilo que nunca fariam sem estar sob o efeito dessa surpreendente mágica.

Mas não são apenas os seres humanos que seduzem seus semelhantes. Cidades e nações também podem encantar seus habitantes ao ponto de os envolverem em projetos coletivos. Curitiba já foi assim, há 20 anos. Mas, aos poucos, perdeu o encanto.

Naquela época, a cidade viu surgir um turbilhão de inovações urbanísticas que surpreendiam os curitibanos a todo o momento. Ganhamos as futurísticas estações-tubo e os ônibus ligeirinhos – que faziam jus ao nome e levavam os curitibanos, ricos ou pobres, a se encontrar nos diversos novos espaços públicos de lazer ou de cultura que surgiam.

Inúmeros parques foram abertos naquele período: Jardim Botânico, Tanguá, Tingui, Universidade Livre do Meio Ambiente... A Ópera de Arame não era apenas um local para formaturas, mas um espaço para shows, inclusive gratuitos. A Pedreira Paulo Leminski, hoje fechada pela reclamação da vizinhança com o som alto dos grupos musicais, atraiu a Curitiba artistas internacionais nunca antes vistos por aqui, como Paul McCartney e o tenor José Car­reras. A Rua 24 Horas, atualmente abandonada, era onde a juventude se reunia na madrugada, em uma espécie de happy hour fora do horário.

A identidade e a história dos curitibanos foram resgatadas por meio de espaços como o Portal Italiano (em Santa Felicidade), o Portal Polonês (na Rua Mateus Leme, perto do Bosque do Papa) e os bosques Alemão e de Portugal. A Torre das Mercês, construída pela antiga Telepar, abriu ao público um mirante para essa nova Curitiba.

Não é difícil imaginar por que os curitibanos passaram a sentir um orgulho diferenciado da cidade. E, ao mesmo tempo, a colaborar entusiasticamente com os bons projetos do poder público. A separação do lixo reciclável e a repulsa de jogar papéis no chão são heranças daquela época.

Infelizmente, a onda de encantamento dos cidadãos foi usada como trampolim político, por meio de um marketing pouco condizente com a realidade – a cidade nunca foi de Primeiro Mundo, com sua pobreza; e também estava longe de ser verdadeiramente ecológica, com seus rios poluídos.

Mas aquela fase áurea deixou uma lição que precisa ser reaprendida pelas autoridades municipais: a cidade não é unicamente o trânsito e o transporte. Aliás, a mobilidade urbana deveria ser apenas o meio para que pessoas encontrem pessoas.

Porém, o trânsito parece ser hoje a principal preocupação dos urbanistas. Estamos nos esquecendo dos locais e eventos de encontro. Estamos perdendo o encanto pela cidade. E o poder público, desperdiçando a força transformadora que esse sentimento pode produzir.

Fernando Martins é jornalista

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