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Sei não, mas acho que um dia alguém ainda vai escrever a História das Bibliotecas Improváveis. Os índices culturais no Brasil, sabe-se, não são de empinar o topete. Os espaços públicos destinados a livros, contudo, não param de se multiplicar, comprovando que podemos não figurar entre os melhores fregueses da Feira de Frankfurt, mas somos intrépidos criadores de endereços para leitura.

Coleciono tudo o que sai na imprensa a respeito e posso assegurar que daria até para bolar um city tour pelas bibliotecas nascidas da imaginação tupi, a exemplo do que realiza o canadense Jeremy Mercer, maluco beleza que não só visita, como pernoita em livrarias do mundo inteiro. Toda gente quer conhecer os buracos em que ele estende seu colchonete – pudera.

O roteiro lítero-brazuca não fica atrás: é de fazer gringo babar. Passa pela barraca do Léo do Peixe, em Pirapora, Minas, abrigo de 8 mil títulos. Pelo açougue do Luiz Amorim, em Brasília, de onde se leva um quilo de patinho e romances embrulhados em papel jornal. Pela garagem de Sidnei Rosa, em São Francisco Xavier, na Serra da Mantiqueira. Antes de o moço botar o carro para fora e os livros para dentro, o acervo municipal ficava atrás das grades, trancafiado numa cela de cadeia.

Sugiro que se inclua no pacote a biblioteca criada, em setembro do ano passado, pelo fotógrafo Alberto Melo Viana, 58 anos, ali em riba, na Rua Machado de Assis, 47, Juvevê. Assim como suas parentas próximas, essa "bibliolouca" também nasceu de canelas para o ar.

Viana descobriu que a mesma chave que trancava o seu banheiro – prática ainda em voga nas plagas curitibanas – abria aquela salinha que os prédios antigos tinham para que se atirasse o lixo rumo ao SS, onde o porteiro se encarregava do serviço sujo. A prática caiu em desuso, mas os reservados de um metro quadrado ficaram lá, aturando os refugos do condomínio.

Pois foi Viana virar a chave e deu no que deu: o local que serviu um dia de cadafalso para fraldas com caca e cascas de mamão papaia tinha quinquilharias até a boca, entre elas uma caixa de livros pedindo um espanador e um leitor, s’yl vous-plâit. Bastou para que o enxerido tivesse a ideia de fazer dali uma biblioteca anárquica, nos moldes da que o jornalista Alessandro Martins montou na Panificadora Pote de Mel, perto do HC. Não precisa anotar o que levou, devolver, pagar multa. E dá certo.

A "nanobiblioteca" Machado de Assis, nome dado numa justa homenagem ao patrono da rua, deve ser uma das menores zonas livrescas do planeta. Guarda uma centena de livros, consumiu, hum, 220 mangos e tirou do anonimato o cantinho mais desprezível do prédio. Não só.

De uns anos para cá, o idealizador do projeto anda às voltas com o passado e também encontrou por lá um quartinho abarrotado de livros empoeirados. A dizer. A família Viana – oriunda de Vitó­­ria da Conquista, na Bahia – era dona da Artes Gráficas Conceição, uma daquelas joias do sertão que parecem existir só nos filmes do Lírio Ferreira e Paulo Caldas. No final da década de 60, com a morte de pai, os Melo Viana se mandaram para o Paraná e reinstalaram as prensas na Avenida João Gual­­ber­­to, onde, que pena, pouca gente percebeu sua graça.

O negócio ruiu e Alberto, em vez de gráfico, se tornou fotógrafo. Mas eis que de uns tempos para cá o demônio da tipografia deu de atentá-lo. Seu apê tem pilhas e pilhas de livros, comprados para uma pesquisa de mestrado, recém-concluída. Entre um Roland Barthes e outro, produz o jornal virtual Fotomail. Um primor.

Cá entre nós, acho que a Gráfica Conceição fechou não. Fica hoje ao pé da Biblioteca Machado de Assis, aquela que era uma salinha do lixo. Põe o endereço no tour – somos mesmo muito bons nesse troço de abrir porta.

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