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Foto: Marcelo Elias/ Gazeta do Povo. Arte: Felipe Lima |
Foto: Marcelo Elias/ Gazeta do Povo. Arte: Felipe Lima| Foto:

Há dois anos, o porteiro de prédio Werner Nelson Seifert [diz-se záifêhrt] estava de plantão numa noite de Natal. Foi quando o milagre se deu. Antes das badaladas da meia-noite, um Papai Noel de aluguel apertou o interfone, avisou a que vinha, o nome da patroa e não desgrudou os olhos do balcão. Com a desfaçatez dos que prestam serviços expressos em domicílio, justificou a secada inadequada para o dia, hora e local – ainda mais naqueles trajes – com a frase que mudaria a história do atendente: "Meu, você é a cara do Papai Noel..."

Ao chegar em casa, Werner – um homenzarrão de 1,86 metro, cintura de pipa, farta cabeleira branca – é que não tirava de si os baita olhos azul-do-céu. Diante do espelho, entendeu por que diabos as pessoas tanto o encaravam entre o Advento e o Dia de Reis: era mesmo cuspido e escarrado o Bom Velhinho, no que é ajudado pelas bochechas rosa-Bavária e pelo sorriso de animador de Oktorberfest.

Werner nasceu em Santa Rosa, no Rio Grande do Sul – berço nacional da soja, da Xuxa, da Gisele Bündchen e, ainda que sob suspeita, do goleiro Tafarel. São todos cabeças coroadas. Mas nem os Seifert [záifêhrt] nem seus antepassados se julgavam detentores de títulos de nobreza.

Russos pobres, em 1870 fugiram da tirania dos cossacos e dos czares. Desembarcaram nos rincões gaúchos, a uma esquina do fim do mundo e mais uma eternidade. Em meados da década de 1950, o clã fez outra travessia pelo longo Volga da vida e se fixou em Marechal Cândido Rondon, no Sudoeste do Paraná. Foi lá que o Werner piá cresceu roçando lavouras, com licenças vez em quando para um carneiro no buraco [lê-se carnerro-no-burraco].

Num dos batentes, conheceu a falante Ivone, descendente daqueles mesmos russos, coincidência que garantiu algum conteúdo à conversinha mole dos apaixonados. "Achei ele bonitão. Me perguntei: Bah! Quem é esse cara legal?", conta, com aquele delicioso sotaque em que a letra "ele" põe a língua para dançar. Casaram-se em seis meses. Tiveram os filhos Jeferson, Keila e Késsia, que uma vez crescidos, precisavam estudar na capital.

Bem – parece não haver capítulo sem graça na trajetória dos Seifert. De tudo riem, com a satisfação de quem devora strudels no café da manhã. Escutem essa: dado adeus a Rondon, tinham de fazer amizades em Curitiba. Difícil, né. Que dirá para quem se muda numa rua em que todos os moradores são menonitas e falam alemão, língua que Werner e Ivone, germânicos pela metade, conheciam de orelhada.

Pois os dois ganharam a rua e se converteram menonitas, nessa ordem. Os dias deslizaram em passos de rena – até Werner descobrir suas semelhanças com um sujeito grisalho e rechonchudo tão popular quanto Jesus Cristo. Foi com os nervos à flor da pele que assumiu sua porção Natal e se apresentou a uma empresa especializada em eventos de final de ano. Ali, Papai Noel passou no teste para Papai Noel. E tudo mudou.

Werner vai muito bem, obrigado. Aos 58 anos, resiste bravamente a 18 horas diárias de ofício. Atende até 1,4 mil crianças por semana. Muitas o chamam de "Papai Noé", o que faz sentido: na arca caberiam muito mais presentes. Tarde dessas, um pimpolho lhe perguntou onde ele guarda o trenó. Respondeu que no estacionamento do shopping, oras. Sobre onde dorme – curiosidade de uma guria – devolveu com a lorota "no trenó". Ouviu de pronto um "coitadinho". Num dos colóquios, o sorriso murchou. Um menino de 11 anos lhe pediu um coração: está na fila dos transplantes.

Por essas e outras, o bom Werner já não se acha só parecido com Papai Noel. De tanto ver o quanto os pequenos creem, ele acaba de rever seus conceitos. "Eu acredito em Papai Noel", declarou, no belo saguão do Edifício Uirapuru. À sua Ivone avisou: "Não vou mais tirar a barba". E afirma que sente saudades da neve que nunca viu, mas imagina como é. Quando sente o ventinho do ventilador a lhe aliviar os calorões do ofício, sonha por segundos que os flocos sobre sua cabeça devam ser algo tão bom quanto isso.

Em tempo. Papai Noel mora no Boqueirão. Torce para o Atlético – a roupa combina –, cultiva amores-perfeitos e, segundo o neto William, 8 anos, não come "de tudo", mas "tudo".

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