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Esta pequena história começou durante uma visita à Escola Municipal Anita Merhy, no Jardim Gabineto, CIC. Foi preciso de mapa para chegar lá – e no mapa dava para perceber que boa parte das vias é dedicada a padres poloneses e seus nomes impossíveis de dizer. Até desafiei a gurizada do colégio a descobrir quem foram Francisco Chylaszek ou João Kominek. Soube que correram atrás, mas quis eu mesmo fazer a lição de casa.

A primeira ajuda veio do colega de trabalho Osny Tavares, que me apresentou a seu tio Ercílio Stam, o sabe-tudo do Gabineto. Com sotaque catarinense tinindo, descreveu cada palmo de chão do loteamento que viu ao chegar, 30 anos atrás. Mas permaneci sem resposta sobre quem seria José Lopacinski, Estanislau Piasecki ou Silvestre Kandora, para citar mais três padres cujas graças estampam plaquetas azuis nas esquinas. "Quem sabe no cemitério você descobre", sugeriu o forasteiro de Itaiópolis.

Pois é, no Cemitério da Pa­­róquia de Santo Antônio de Or­­leans, logo acima, está enterrado o padre Paulo Warkocz, hoje uma paralela da Padre Francisco Madej. Há outros religiosos sepultados lá e bastava cruzar o mapa do bairro com o das lápides para completar minha crônica curiosa sobre as "almas das ruas" do Jar­­dim Gabineto. Mas tarde demais: a visita ao "campo santo" já tinha se convertido no passeio do ano. Recomendo.

O cemitério é um documento da imigração polonesa, firmada em 1875, quando Lamenha Lins criou a Colônia Orleans. Ali, a gente fica hipnotizado pelas fotos de Mieczyslaws e Zenovias presas aos jazigos centenários. Os retratos da família Wachelewski são de ajoelhar. Sem dizer que dá para exercitar o polonês sorvendo cada consoante dos falecidos Szczepanski, Adamowycz, Karachinski, Polanoski, Czelusniak, Krzyjanovski, Suchevicz. Cara de pau, arrisco traduzir o que quer dizer "Tu spoczywa. Miguel Mauolepszy. Urodzony W. Roku 1857..."

Foi bom, mas não bastou. Para saber sobre as placas tive de recorrer a Deus, ao mundo e ao vivíssimo padre Lourenço Biernaski. Com ele me encontrei no velho convento vicentino da Rua Jaime Reis. Foi tão bom quanto fazer a Primeira Comunhão. Lourenço tem mais do que a biografia do Gabineto na ponta da língua. Tem um livro – Quem foram, o que fizeram, esses missionários.... – no qual perfila os 90 e tantos religiosos que a partir de 1903 migraram da Polônia para atender os conterrâneos que aravam as terras de Tomás Coelho e vizinhanças.

A melhor parte da obra é a que Lourenço conta como eram os intrépidos que cruzaram oceanos e hoje jazem nos postes do Gabineto. Fica-se sabendo que Chylaszek andava a cavalo. Que Warkocz era engraçado. Que em 1921 Piasecki fundou o jornal Lud. Que Lopacinski fazia vinhos. Jacinto Meinsopust conhecia botânica como poucos. Boleslau Bayer escrevia cartas. João Kominek foi enganado por grileiros e voltou amargurado para a Polônia. Wiktor Dewor esteve preso por rezar missas em polonês. E me debulho ao descobrir que João Rzemelka, de volta ao front, se entregou aos nazistas em solidariedade a vicentinos presos no campo de concentração de Pawiak. Fico me perguntando se no infortúnio Rzemelka sentiu saudade da Curitiba por onde andara na década de 1920.

Pelo visto, perguntas como essas também povoam a mente do octogenário Biernaski. Em busca de respostas, ele já acumulou 12 mil livros, fora jornais e objetos guardados em três salas do convento. É seu memorial secreto sobre a cultura polônica no Paraná. O padre sabe de coisas que não se aprende na escola. Conta-me, por exemplo, das "bursas", pousadas que os sacerdotes poloneses mantinham para oferecer estudos aos filhos dos colonos. Graças aos abrigos educacionais, aquela gente com medo de ser escravizada aqui, como ocorrera na Europa, saiu do isolamento da Zona Oeste e fez de Curitiba, digamos, uma Polônia possível. Com sotaque. A piazada do Gabineto mal pode imaginar onde a placa da rua pode nos levar.

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