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 | Arte: Felipe Lima
| Foto: Arte: Felipe Lima

O jornalista André Amorim – recém-chegado do Recife e em via de fazer de Curitiba o seu pedacinho de chão – me perguntou o que ler para conhecer o nosso imaginário. Fiquei com cara de Bolacha Maria. Penso que o apavorei, o que é, dizem, uma das nossas armadilhas. Antes do pedido, falávamos sobre peculiaridades da flora e da fauna locais, lendas e costumes dos pinheirais, experiências antropológicas nos subterrâneos da imigração, entre outros eufemismos para tratar do jeitão curitibano, um assunto mais valorizado nessas plagas do que o "mal-estar da civilização".

Pedi um tempo para pensar na lista de livros. Procurei um santo para me acudir. A primeira ajuda veio do colega de ofício Rogério Galindo, um tipo que dá bom dia, fala com estranhos, respeita filas, mas não vai a festas – não que a gente saiba. Aos fatos. Galindo, um curitibano cordial, pronto se abalou até um sebo e comprou para o recém-chegado um exemplar de Em busca de Curitiba perdida, de Dalton Trevisan. De presente. Pelo tamanho do viral que agora se forma, em breve nosso forasteiro receberá uma biblioteca completa, em laço de fita, doada por estranhos de boa cepa. As colaborações só crescem.

O jornalista ponta-grossense Irinêo Netto – homem de letras –, sugere que se coloque no cesto O filho eterno, do catarinense Cristovão Tezza. Estranhei a dica, pois não vejo a cidade sapateando no enredo. No que fui lembrado das passagens em que o narrador se emputece no trânsito, um clássico. Tomara nossas práticas de mobilidade não sejam a tradução de nossa alma. O curitibano Luís Henrique Pellanda, que vai de Dalton, também destaca Tezza, autor que nos seus dizeres mostra "uma Curitiba espremida entre a luz e a sombra". Recomenda O fotógrafo e Trapo.

A pesquisadora lapiana Cassiana Lacerda, mulher ilustrada, diz que leitura obrigatória para quem quer se iniciar nas nossas lides ainda é O Vampiro de Curitiba, de Dalton Trevisan, com folga o autor mais citado do tirocínio. No que devemos dizer amém, incluindo no ranking os deliciosos Cantares de Sulamita, uma especiaria que Lars von Trier iria degustar à sombra. Quem não leu não viveu.

No mais, a gente aqui nasce, cresce, cada vez tem mais shoppings pra visitar, mas não há remédio: não saramos da síndrome de Nelsinho, esse tipo fadado a correr atrás do próprio rabo. Mas chega de mágoa – amanhã tem jogo no Atlético, Roberto Carlos na Pedreira e risoto em homenagem ao Poty Lazzarotto no Passeio Público. Resta-nos algum charme passadista – Curitiba tem perfume de Acqua Velva.

Dentre os autores citados por Cassiana, destaquemos o cultíssimo Nestor Victor, o controvertido Wilson Martins, o safo Jamil Snege, o boêmio Paulo Leminski, nenhum deles lembrado pela catedrática com esses adjetivos, é verdade, mas todos azeitados por uma recomendação. Muitos são os autores que falam da cidade, mas nenhum dá conta do expediente. Em miúdos, se André levar adiante seu propósito de nos decifrar pela literatura, vai ter de ler pra caramba. Inclua-se na tarefa os novíssimos Luís Henrique Pellanda, de Nós passaremos em branco e Asa de Sereia, e Cezar Tridapalli, de Pequena biografia de desejos.

Cezar Tridapalli, o próprio, indica Luiz Felipe Leprevost, Rogério Pereira, Luci Collin... Seu casting tem poucas oferendas aos orixás de sempre. Pellanda, ele mesmo, ledor de Lamentações da Rua Ubaldino e outros petiscos, pede licença e coloca na roda um Paulo Leminski – Ensaios e anseios crípticos –; e um Wilson Bueno, o das noites sujas de Diário vagau. Mas alerta que Jamil Snege é fundamental. No que é seguido pelo belavistense Miguel Sanches Neto, autoridade no assunto. Tratar dessa cidade é falar de exílio, solidão, lugares que pedem a munição pesada das crônicas de Como tornar-se invisível em Curitiba.

Em tempo. André, Jamil era um sarro. Você vai querer ler também Como eu se fiz por si mesmo e perguntar o que também nos perguntamos feito bestas: por que diabos o Brasil inteiro não cultua o cara. Ah, em caso de qualquer tristeza, leia a crônica Curitiba, a fria. É de 1967 e foi escrita por um conterrâneo seu, o pernambucano Fernando Pessoa Ferreira. À época, os ofendidos com o gracejo chegaram a pedir que Pessoa fosse impedido de pisar nas nossas divisas. Dá para acreditar? Mas isso é passado e treva. Bem-vindo, guri. E se agasalhe.

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