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Conheci dona Geni Wilner há três anos. Não esquecerei aquele dia nem quando ficar de miolo mole. Antes mesmo de listar nossos conhecidos em comum, o que constitui um protocolo curitibano, a veterana se saiu com uma piada inadequada para o horário. Pois é, a senhora Wilner faz o tipo que encurta caminhos.

Depois de uma gargalhada bem dada, saímos de braço dado pela Rua Riachuelo, onde ela mora. De pronto, me lembrou aquelas senhoras judias dos sitcoms americanos. Ou ainda uma personagem de A era do rádio, meu Woody Allen preferido. Lembrou-me sobretudo o que eu já havia lido sobre o refinado humor judaico no livro Do Éden ao divã, de Moacyr Scliar, Patrícia Finzi e Eliahu Toker.

Horas depois, nos despedimos como se tivéssemos sido criados juntos, ao pé das Colinas de Golã. Restou a promessa do "até logo". E o convite para participar do café quinzenal promovido por Geni e suas amigas. Julguei serem todas à imagem e semelhança dela, o que me garantiria algumas horinhas de paraíso. Conto daqui a pouco...

É de se perguntar quantos clubes de senhoras e senhores se reúnem para um café, de segunda a segunda. É de invejar. Enquanto motoristas disputam cada palmo de asfalto, elas e eles estão lá, dividindo a mesa, ao sabor dos bombocados, combustível para a mais sublime das potencialidades humanas: a conversa.

Já visitei grupos de ex-campeões de ciclismo; de ex-alunas do "Estadual", de egressos da comunidade luterana. A lista de agremiações informais se assemelha às estrelas do céu. Dizem por aí, inclusive, que cada turma do antigo Cefet ainda se encontra, religiosamente. Se for verdade, a despeito dos que nos chamam de antissociais, formamos a população mais gregária do país. Hip, hip, hurra.

O café da dona Geni teria surgido por volta de 40 anos atrás, por obra e graça de mulheres vindas de Porto União, município plantado nas terras contestadas de Santa Catarina. O encontro servia para preservar o costume germânico de se empanturrar de bolachas decoradas no meio da tarde. E para evitar que as outrora vizinhas nunca mais se encontrassem na selva da cidade grande. Uma conviva trouxe outra, e assim por diante. Como há muitas judias de origem alemã nessas bandas, o grupo logo miscigenou e ganhou ares de tratado de paz da ONU. Uma das participantes – a nadadora Jandira Zattar –, inclusive, é de família árabe. As gurias celebram o Natal, o Rosh Hashaná. E, se "Janda" pedisse, o Ramadã.

O encontro tem regras – e elas "juram" que as cumprem qual as Tábuas da Lei. É proibido, por exemplo, fofocar. Reclamar das empregadas, netos e noras, jamais. Assuntos de beleza são bem-vindos, pois, com exceção da mascote, a restauradora Josiane Evlagon, todas as outras passaram dos 60 anos, e não é de hoje.

Geni denuncia com o dedo quais amigas sabem "tu-do" sobre cirurgia plástica. Dessa vez, não arranca risadas da audiência. Logo se vinga, mostrando quem é o Jerry Seinfeld da tribo: "Sou a colunável da patota", avisa, comentando estar impossibilitada de se abaixar sem que sua coluna grite pelo Siate. Risos abertos no salão de chá.

Nos tempos da ditadura militar, quando essas mulheres começaram a bebericar barricas de capuccinos, as normas de convivência pareciam trajar coturno. As candidatas a fazer parte do petit comité eram submetidas a uma "banca", e podiam ser reprovadas, pois ninguém queria tomar lanche com uma chata de galochas. A votação era feita com bolas pretas e brancas.

Não é mais assim. "Bola, agora, só as bolas fora da Rosita Kreibich", provocam em coro, para tormenta da belíssima senhora, cuja elegância, arrisca, faz subir o preço dos bufês por onde passa. O tempo curtiu essas amizades, provadas no fogo de divórcios e viuvezes. Geni perdeu Izaac. Flora perdeu Sale Wolokita, ele mesmo. Só não passou por algo assim a solteiríssima Blondina Ratzke, acusada pelas colegas de "a mais prestimosa".

Blondina parece se divertir com as confidências conjugais das companheiras, cujas memórias saem da boca adoçadas pelos quindins. Aliás, todo "café com saudade" tem a presença de alguém cuja biografia é bem diferente das demais. Reparem. Suspeito que estão ali para imaginar como sua vida poderia ter sido. Em segredo, distribuem bolas brancas e bolas pretas para o destino, esse sujeito caprichoso. Como troco, dão-se ao direito de comer e gargalhar, em pleno expediente de quinta-feira, na companhia das Genis que a sorte nos reserva.

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