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 | Foto: Marcelo Andrade / Arte: Benett
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Não lembro qual foi o primeiro livro sério que li sobre sexo. É provável que tenha sido um tomo qualquer daquelas enciclopédias vendidas nas bancas pela Editora Abril, na década de 1970. Podem tripudiar, mas sou da opinião que ficamos melhores depois daquelas coleções ao alcance de todos. Confesso que peguei gosto por fascículos. É fato que os romances de José Lins do Rego e Jorge Amado eram mais ilustrativos, mas, convenhamos, é fascinante ver o sexo tratado como um assunto qualquer, sob a pena da biologia e das ciências humanas.

Uma dessas leituras para não esquecer eram assinadas pelo hoje esquecido João Mohana, médico maranhense que se tornou padre. Guri, eu estranhava flagrar um sujeito de batina que ensinava a como agir na primeira noite. Mas confesso – gostava do Mohana. Se um cara tão escolado estava dizendo, era porque tinha de ser. Hoje entendo o contexto daquelas bulas sentimentais. Eram inspiradas nas conquistas da medicina e psicologia, mas também nas expectativas em torno das mulheres em meio ao pós-Guerra, o Vaticano II, a pílula, a contracultura, arre... Mohana nos altares, já.

Anos mais tarde foi a vez de Corpos, prazeres e paixões, do antropólogo americano Richard Parker. Perdi as contas de quantas vezes recomendei esse livro. Foi um barato me deparar com um estrangeiro desvendando a falta de jeito do brasileiro em lidar com as horizontais. A lista de "nomes feios" pesquisada por Parker é tão extensa quanto incrível: o sexo da mulher é sempre algo mal acabado. O do homem, sinônimo de arma e agressão. Esse vocabulário diz algo sobre nós – que nos achamos os campeões do baralhinho erótico, herdeiros do Zéfiro. Conta outra.

Foi por causa do Parker que li Uma mente própria – a história cultural do pênis, do jornalista David M. Friedman. Como um Jerry Seinfeld enrustido, o autor faz graça da demonização e da mitificação, do psicologismo fálico e da exploração científica da vitalidade peniana. Divertido pacas – recomendo. Agora é a vez de Vagina – uma biografia, da feminista Naomi Wolf, que não sai da cama a não ser que seja por uma boa polêmica.

Teve site vendendo o livro com asterisco depois do "v", ignorando que Wolf está ocupada de provar a complexa teia neurológica entre cérebro e sua biografada, essa perseguida. Bem, acho que a diarista aqui de casa também não gostou da capa e do título e resolveu o problema à sua maneira: colocou uma pilha de papel em cima dessa "pouca vergonha", dando vitória à faxina moral e às virtudes de Veja Limpeza Pesada.

Depois do compêndio da Wolf, fiquei curioso em saber como é que se viram as pessoas que precisam falar de "vagina" e "pênis" a toda hora. Recorri a duas experts: Vanja Salmazo, 50 anos, administradora; e Camila Souza, 24, da área de marketing (foto). Elas são sócias num sex shop exclusivo para mulheres. Camila é noviça. Vanja soma quase uma década no ramo – foi proprietária da loja Volúpia, em Porto Alegre, sua academia. Quando desembarcou em Curitiba, sabia tudo o que interessava para se estabelecer em meio aos franco-atiradores.

Uma e outra sacaram, não é de hoje, a dificuldade geral da nação em tratar de sexo. Por isso, adotaram como norma culta a linguagem, digamos, de enciclopédia da Editora Abril. Nada de diminutivos tolos – na vã tentativa de infantilizar a freguesia. Jamais se permitem malícias de salão, essa especialidade tupiniquim que deu o que tinha que dar. Vanja e Camila estão mais para tratado de sexologia aplicada e é mesmo uma lástima que Naomi Wolf não tenha recorrido aos préstimos das gurias.

O mais impressionante é a garantia que elas dão de que se sentem muitos felizes com tarefa tão rigorosa. Não se portam como Greta Garbo em Ninotchka, juram, nem quando têm de explicar o funcionamento de bombinhas penianas e outros instrumentos de tortura. "Não podemos ser muito sorridentes, é verdade. Aqui, a timidez impera, mas quem nos procura está apaixonada. Sexo salva", diz uma tecnocrata Vanja, em coro com a sócia.

Andam, inclusive, cheias de planos. Montam workshops e se especializam em atender evangélicas. Um tal "guia para casais gospel" virou um achado na praça. No mais, se a loja está vazia, relaxam. Comentam os inacreditáveis "chás de divórcio". Acham curioso tanta freguesa fantasiar Cauã Raymond, Caio Castro e Reynaldo Gianecchini: coitadas. E uma pira a súbita paixão do mulherio por um tipo como Christian Grey, o sadô de Cinquenta tons de cinza. "Pode?", me perguntam. Tô com elas – vamos dar um pé nesse cara.

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