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Vou logo esclarecendo que o hábito de ouvir trechos de conversas alheias em locais públicos é, para mim, um artifício essencial para enfrentar situações estressantes, como esperas em aeroportos e rodoviárias e filas. É verdade que há anos não escuto conversas boas, daquelas que valem a pena passar para a frente. Ou melhor dizendo, não tenho entreouvido nada de muito interessante. Já que nesse mundo de apreciadores de conversas alheias não se acompanha diálogos completos e sim frases dispersas que a gente se encarrega de completar na imaginação.

Pois outro dia, na fila do banco, ouvi o que diziam as duas pessoas que foram atendidas antes de mim. Ambas estavam com problemas com senhas. Esqueceram suas senhas ou trocaram um algarismo qualquer na hora de digitar. Resultado: conta bloqueada e a necessidade de entrar em uma fila em busca de ajuda para resgatar o dinheiro que estava sendo tão bem protegido pelo banco que nem eles, seus genuínos donos, podiam acessar.

Admito que o susto dos outros amenizou uma ferida (uma feridinha, para não ser exagerada) que esta vida de cliente de banco causou em mim. Também já me confundi com senhas e isso me deu muita dor de cabeça. Enquanto esperava a chegada de um novo cartão (a minha confusão exigiu que o antigo fosse inutilizado) passei uma semana sem poder sacar nem usar cartão. Fiquei sem di­­nheiro por uma semana. A experiência não foi tão ruim, mas fiquei com um medo danando daquelas combinações de número e letras que convencionamos chamar de senha. Eu, que nem decoro ramais telefônicos aqui do trabalho que uso diariamente e que, ao longo da vida, devo ter decorado não mais que dez números de telefone, me vejo obrigada a lidar com estas senhas que se multiplicam como butucas na beira do rio.

A gente erra um algarismozinho e... buuuum! O caixa eletrônico não explode, mas avisa que se você for por esse caminho – o caminho do erro, da perda de memória e, humilhação suprema, da presbiopia – seu cartão de plástico será engolido pela máquina e você terá que enfrentar muita burocracia para provar que é o dono da grana que está tentando sacar. Mal sabe a máquina que ela não é a única a te exigir senha. No trabalho, o computador pede uma e vários serviços internos só podem ser executados se você fornecer a combinação numérica previamente definida. E quando você erra, quando dá um branco e o 8439 vira 8934, e você tem que parar diante de um bancário para explicar que você errou e que precisa começar tudo de novo... Ah! Aí você se sente um idiota.

Um momento de idiotia e uma semana de périplos e negociações para provar que eu sou eu. Claro que é bom saber que meu dinheiro está protegido até de mim mesma, esta desmemoriada. Mas não é bom se sentir bobo por causa de uns numerozinhos ridículos que, a cada seis meses, devem ser esquecidos e trocados por outros.

Por isso, quando escuto os dois clientes à minha frente negociarem a liberação de novas senhas para eles, sinto-me acolhida. Um místico diria que o universo está conspirando para me revelar que idiotas somos todos diante da quantidade de informação tola que temos que administrar. De coisas mais tolas ainda que temos que aprender hoje para esquecer ali na frente. Fernando Pessoa escreveu que todos seus conhecidos eram príncipes, menos ele. Por príncipe ele entendia os elegantes, que mantêm a compostura, que não fazem bobagens, que não metem os pés pelas mãos. Nin­­guém é príncipe, acho eu. Basta um caixa eletrônica e uma senha alfanumérica para mostrar isso.

* A colunista entrará em férias a partir da próxima semana e voltará a escrever no dia 6 de fevereiro

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