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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

O pai está morrendo. O filho é um poeta e reage como tal. Em versos, pede ao seu velho que resista. Argumenta que os sábios, os bons, os loucos, as pessoas graves, todos resistem a aceitar a morte. Ninguém se conforma com ela. E ele, o filho, preferia ver o pai muito velho, quando a morte, quem sabe, pareceria natural. Para quem sofre, o fim pode parecer tentador, mas o filho quer que o pai fuja dele. Ele escreve:

"Não entres nessa noite acolhedora com doçura,

Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia,

Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura."

Em seguida, diz ao pai agonizante:

"Embora os sábios, ao morrer, saibam que a treva lhes perdura,

Porque suas palavras não garfaram a centelha esguia,

Eles não entram nessa noite acolhedora com doçura."

É o poema mais popular do galês Dylan Thomas. Muito lido nos países de língua inglesa e menos por aqui, onde é difícil encontrá-lo nas livrarias, ainda que tenha sido traduzido pelo poeta Ivan Junqueira. É declamado quatro vezes no filme Interestelar (do diretor Christopher Nolan), no qual se encaixa como uma luva. O planeta Terra está agonizando e, junto com ele, a humanidade. O cientista que envia astronautas para o espaço em busca de uma nova casa para os humanos se despede deles pedindo que não aceitem a morte da espécie humana:

"Os bons que, após o último aceno, choram pela alvura

Com que seus frágeis atos bailariam numa verde baía

Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura."

O ator Michael Caine, que interpreta o cientista, conta que viu Dylan Thomas muitas vezes nos bares de Londres, completamente embriagado. Na vida confusa que o poeta levava, o álcool era o refúgio e a perdição. Ainda que tenha tido seu talento reconhecido muito cedo, Dylan Thomas não ganhava dinheiro suficiente para sustentar a si e a família. Sem eira nem beira, precisou morar com a sogra, que detestava. O que a sogra pensava dele não se sabe, mas talvez não tenha sido por descuido ou ignorância que ela mandou a faxineira queimar o caderno de rascunho do genro-poeta.

Loui King, a empregada, guardou o caderno em um pacote onde colocou um bilhete que diz: "Este livro de poesia de Dylan Thomas estava junto com um monte de papel que me deram para queimar no aquecedor de água da cozinha. Eu guardei e me esqueci completamente, até que eu li sobre a morte dele". O jornal The Guardian publicou na semana passada que o caderno foi encontrado este ano e será leiloado em dezembro, provavelmente por uma pequena fortuna, dada a popularidade que Thomas alcançou tanto entre leitores quanto entre os críticos.

"Os loucos que abraçaram e louvaram o sol na etérea altura

E aprendem, tarde demais, como o afligiram em sua travessia

Não entram nessa noite acolhedora com doçura."

Se fosse vivo, Dylan Thomas teria feito 100 anos no mês passado. Morreu em novembro de 1953, aos 39 anos, em Nova York. Estava lá para declamar em eventos literários e para fazer roteiros e gravações para rádios. Antes, em Londres, já havia feito outras tantas gravações para a rádio BBC. Por isso hoje se pode ouvir Dylan Thomas na internet, na sua própria voz e nas de muitos admiradores, como Richard Burton. Burton era galês como o poeta e se remoía de culpa por não ter arranjado as 300 libras esterlinas que Dylan pediu emprestado para não ter de fazer mais uma turnê pelos Estados Unidos declamando seus versos. Burton não tinha o dinheiro. Dylan morreu durante a viagem.

"Os graves, em seu fim, ao ver com um olhar que os transfigura

Quanto a retina cega, qual fugaz meteoro, se alegraria,

Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura."

Há muito mais que vale ser contado sobre Dylan Thomas, ele mesmo um contador de histórias de um tipo raro, que fez um grande poema sobre o corcunda que vivia em um parque, sobre o homem centenário que morreu durante um bombardeio da Segunda Guerra. Mas voltemos ao poema, que é hora de ele se despedir do pai:

"E a ti,meu pai, te imploro agora, lá na cúpula obscura,

Que me abençoes e maldigas com a tua lágrima bravia.

Não entres nessa noite acolhedora com doçura,

Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura."

***

Leitores escrevem sobre os jacarandás. O Nilson T.S. Cunha compartilha uma informação importante. Ele diz que o jacarandá usado em arborização urbana não é nativo do Brasil e pertence à mesma família dos ipês, o que deve explicar por que alguns leitores disseram confundir as duas árvores. Outro leitor, o Jorge Haro, que vive na África, elogia o uso criterioso dos jacarandás nas cidades africanas, dispostos de modo a não prejudicar os passeios.

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