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Li um livro dedicado ao público adolescente e, do alto dos meus 40 e tantos anos, gostei. Marcelo no Mundo Real é sobre um rapaz de 17 anos que não é "normal". Ele nasceu com uma síndrome, a Síndrome de Aspenger, que é uma variação leve do autismo. Entra, portanto, naquela categoria de pessoas que já foram chamadas de deficientes, depois de portadoras de necessidades especiais, e hoje são apenas "especiais".

Veja, leitor, "normal" e "especial" estão entre aspas porque são usadas nesse contexto como categorias para pessoas distintas, que estão nos extremos de um espectro.

Oh, mundo preguiçoso, por que precisas categorizar as pessoas para facilitar tua vida?

Não dizem que, de perto, ninguém é normal? É claro que não é mesmo. Nem eu, nem você, nem o Marcelo, nem o seu vizinho seríamos classificados como totalmente normais depois de uma investigação minuciosa. A diferença é que a maioria de nós esconde bem as esquisitices. Ou, mais precisamente, aprende a esconder as esquisitices ou transformá-las em algo até charmoso. É exatamente isso que falta a Marcelo, o personagem do livro. Ele não tem malícia, tem pouca sensibilidade às reações que os outros demonstram através do tom de voz, das expressões faciais das frases de duplo sentido. Ou seja, no contexto do Mundo Real, ele é quase surdo e cego.

Essa natureza não maliciosa do adolescente com Síndrome de Aspenger é usada pelo autor do livro (Francisco X. Stork) para fazer um contraponto à sem-vergonhice, ao mau-caratismo e ao pragmatismo do tal Mundo Real. O pai de Marcelo é um advogado bem sucedido que, preocupado em desenvolver o potencial do filho, que ele ama, leva-o para trabalhar no escritório durante as férias escolares. Lá o rapaz se depara com o cinismo, com pessoas que usam pessoas como objetos, com uma ideia de justiça que não faz sentido para ele. É claro que Marcelo se mete em encrenca. O Mundo Real não é para amadores.

No cinema também é comum se usar pessoas que têm um cérebro diferente do cérebro da maioria para representar a pureza em contraste com a confusão de valores e sentimentos que prevalece por aí. E não é qualquer atorzinho que está à altura de encarnar essa pureza. Tom Hanks foi convocado para fazer Forrest Gump; Dustin Hoffman fez Rain Man; Sean Penn fez I Am Sam – A Força do Amor. Devem ter outros de que estou esquecendo (se lembrou de outros, me escreva para contar, leitor).

Disso tudo tiro uma conclusão: a nossa sofisticação mental, nossas múltiplas habilidades, nos tornam complicados e maldosos. E, como somos complicados e maldosos, olhamos com desdém pessoas diferentes de nós. Não estou aqui lamentando o preconceito contra os "especiais". Estou lamentando que percamos a chance de desfrutar a companhia dessas pessoas que podem ser tão maravilhosas, os "especiais". Todos os que conheci tinham encantos e qualidades. Quando eles gostam de você, eles gostam de um jeito que te faz se sentir a pessoa mais... especial do mundo. Ter a chance de conhecer um deles, acredite-me, é um golpe de sorte.

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