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Nem tudo é bonito neste mundo. Quando digo isso não tenho em mente os atos sórdidos, as depravações e perversões que vejo por aí. Penso em baratas. Bichos feios e assustadores. Inseto pequeno, que pode ser morto com uma pisada; mesmo assim, apavora. Por quê? Transmite doenças, vive nos bueiros sujos, é nojento. Seria o nojo que paralisa e não o medo?

A informação de que o local passará por uma dedetização contra baratas estimula a vizinhança a contar suas experiências com as cascudas. Andam aparecendo nas entradas dos imóveis, cruzando frestas e se aproveitando de portas abertas. Todo mundo se sente enojado. “Elas sobreviveriam à bomba atômica” – sempre que o assunto é barata, alguém diz essa frase. Desta vez foi o porteiro. Deve ser verdade. Do bueiro dedetizado elas saem, rodopiantes e tontas, e descobrimos que variam na aparência: umas mais escuras, outras albinas, umas achatadas e outras redondas.

Da minha valentia eu não me gabo porque desconfio que ela, como o medo, está no DNA

Pipocam relatos de gritarias causadas pela visão de baratas. Aproveitando-se do momento propício a confidências, o rapaz conta que tem medo de aranha. Mais que isso, é fobia; aracnofobia. Seu pior pesadelo: ser picado por uma aranha e ninguém socorrê-lo. Sonhou com isso várias vezes, contou ao terapeuta, chorou. Deu o azar de nascer e crescer em Curitiba, onde há muita aranha-marrom. De vez em quando, ao acordar de manhã, percebia a mãe por perto em gesto suspeito. Ela tinha acabado de matar uma aranha. Ele só perguntava: “Marrom?” Geralmente a resposta era sim. Quando era de outra espécie, o comportamento dela era mais leve, despreocupado.

Não tenho medo de baratas nem de aranhas. Suponho que, se uma delas correr na minha pele, vou me agitar e gritar até me livrar dela. Instinto de sobrevivência. Mas sei que não sentirei medo ao encontrar uma delas rastejando na minha cama, por exemplo. Mais de uma vez recolhi aranhas grandes com potes e as joguei no jardim. Prefiro não matá-las.

Não desdenho o medo dos outros. Apenas não sinto o mesmo. Certa vez, na casa de um amigo, presenciei uma cena espantosa. Ouvi gritos vindos de outro cômodo. Fui até lá. O dono da casa e um casal se depararam com uma aranha grande, preta, na parede. Eles se abraçaram em um canto e gritaram por socorro. Os três, muito maiores que a aranha, olhavam para ela com pavor, abraçados e contorcidos. Se fosse um leão, talvez reagissem da mesma forma. Acabei com a aranha usando um sapato (tive o cuidado de não fazer sujeira na parede).

Da minha valentia eu não me gabo porque desconfio que ela, como o medo, está no DNA. Tenho medo de altura e já senti pavor dentro de um elevador lotado. Sabe-se lá que cenas patéticas ainda protagonizarei pela vida afora. Por isso ofereço meu apoio aos vizinhos apavorados com baratas, dou meu ombro amigo ao rapaz que diante da aranha-marrom age como um bebê abandonado, consolo os que colapsam diante da viúva-negra. Para ter medo, basta estar vivo.

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