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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Fim de tarde, pressa de chegar em casa. E eu dentro de um automóvel que se­­gue por vias lotadas, co­­mo naqueles enterros de antigamente em que o caixão era levado ao cemitério por amigos que arrastavam os pés e a dor do luto. Pois lá ia eu no cortejo sem falecido que parecia ocupar todas as ruas do Centro e dos bairros por onde eu passava, quando me ocorreu como seria bacana ter uma linha de metrô ligando o meu trabalho a minha casa. Eu sairia do trabalho, passaria meu cartão pela catraca, embarcaria no trem (lotado? tudo bem; viagem de metrô dura menos que trajeto de automóvel) e desceria a uns 500 metros da minha casa. Como em Paris, onde nunca se está a mais de 500 metros de uma estação de metrô.

O cortejo se move uns 50 metros e volto à realidade. Acor­­da sonhadora! Não tem nem ponto de ônibus assim tão perto da sua casa, quanto mais estação de metrô.

Mas como há um projeto de metrô para Curitiba, tenho desculpa para imaginar como será. Há vários estilos de comportamento para viajantes de metrô. O brasileiro, conforme se vê no Rio de Janeiro e em São Paulo, é as­­sim: todo mundo com ar sofrido e sério, mas com uma disposição permanente para a curiosidade e para a conversa. Presta-se atenção em tudo e em todos, indiscretamente: em quem entra, em quem levanta. Quando há uma brecha, aproveita-se para dar um palpite e entrar na conversa.

As atividades mais populares nos metrôs brasileiros são observar-se mutuamente (com uma expressão que mistura indiferença e mau humor), cochilar e ouvir música usando um "som" conectado ao fone de ouvido. Ler? Nem pensar. Parece que espalharam por aí um boato de que ler em ônibus e trem provoca deslocamento de retina, ataque cardíaco e micose. Quase ninguém lê no transporte coletivo brasileiro.

Em outros países, como na França, também há o elemento curiosidade, mas com muito mais discrição. Evita-se olhar diretamente para os demais passageiros. E se lê. Lê-se jornal, Bal­­zac, Maupassant e Paulo Coelho. É verdade, tem muito Paulo Coelho nos metrôs da França. Em favor dos franceses, apresento minha teoria: desconfio que bem traduzidos por um egresso da Sorbonne, o Alquimista, Brida e Veronika se tornam personagens respeitáveis.

Conforme se avança no mapa, indo para o norte do planeta, mais discretos e introvertidos vão ficando os passageiros de metrô. Os setentrionais dominam com perfeição a técnica de observar tudo ao mesmo tempo em que fingem nem perceber que há mais pessoas no vagão. Temo que nunca seremos bons neste quesito: o brasileiro, quando quer ser discreto, começa a observar o outro com o canto dos olhos. Aí vai se distraindo e, quando vê, está de olho arregalado e encarando com a maior cara de pau.

Mas tudo isso são especulações vãs. O metrô – se for im­­plan­­tado mesmo em Curitiba – só chega em quatro anos ou mais, e não vai ter estação perto da mi­­nha casa. Antes disso, quem sabe venço o medo e a inabilidade e aprendo a andar de bicicleta em ruas mo­­vimentadas. Ou me mu­­do para Paris!

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