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"Paraná", acredite se quiser, é um palestino com aparência de polonês que vende chá mate na Praia do Boqueirão, em Santos. A designer Magali cresceu em uma família paulistana abastada, aventurou-se em Curitiba, mas teve dificuldade para se adaptar. Um dia ouviu Sampa, do Caetano Veloso, alguma coisa aconteceu no seu coração, e Magali decidiu voltar para casa. Raí, que dispensa apresentação, prefere falar sobre o pai e a mãe do que sobre sua própria história de jogador de futebol bem-sucedido.

Encontrei as autobiografias de Paraná, Magali e Raí no Museu da Pessoa (www.museudapessoa.net), essa invenção inteligente da historiadora Karen Worcman, que vem a ser um arquivo na internet de memórias de gente que vive ou viveu no Brasil. Não há um padrão a ser seguido para as informações; não é feita edição dos relatos. O que as pessoas contam está registrado. A espontaneidade gera relatos incompletos e em muitos casos fiquei querendo saber mais. Em compensação, a própria escolha que cada um faz dos eventos que vai contar é reveladora.

Fiquei intrigada com o caminho seguido por Raí. Por que ele interrompe o relato quando conta que começou a carreira de jogador no Botafogo e que "com a seleção brasileira ganhamos a Copa do Mundo em 94", mas usa muitas linhas para falar do pai, autodidata que vivia citando Freud, e da mãe, reprimida pelo marido machão, mas admirada pelo filho?

Faço várias especulações sobre Raí, figura simpática do futebol brasileiro. Uma delas é que ele, como a maioria dos autobiógrafos do Museu da Pessoa, evita falar de sua vida atual porque ela é nebulosa. O presente é incompleto. O passado é que tem começo, meio e fim. Aliás, muitas vezes contra a nossa vontade.

Alguns selecionam uma fase ou um fato para resumir quem são. Como o catarinense Lírio, que contou sobre os anos vividos em um seminário do interior paranaense, mais tarde abandonado porque ele não tinha vocação para padre, mas onde recebeu uma educação primorosa que influenciou sua trajetória.

Museu e biografia são palavras que remetem a vidas finalizadas, nas quais nada mais vai acontecer. Nós, os viventes, sabemos, lá no fundo, que o que neste momento é importante pode se tornar um verbetezinho menor na nossa biografia. O amor de 2012 pode até cair no esquecimento (é triste, amigo, mas é assim); a decisão que tomei agora pode não sobreviver à realidade e virar outra coisa amanhã; o cargo de hoje, quem sabe, será superado por outro mais importante daqui a alguns anos.

Fiquei tentada a participar do Museu da Pessoa fazendo como Raí, que, a pretexto de falar de si próprio, falou mais do pai e da mãe. A história dos meus pais, migrantes que trocaram Minas pelo Norte do Paraná, não é excepcional, é a mesma de muitos brasileiros. Isso só a torna mais importante. O que é excepcional é que falar deles, por pouquinho que seja, tem a força de uma homenagem. Quem é lembrado existe. Quem não é...

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