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A história da vida moderna poderá ser dividida em duas fases: a.T.e d.T. – antes do Teclado e depois do Teclado. O teclado, levinho e lúdico, põe tanta velocidade nos nossos gestos, que agora somos todos naturalmente apressados. Quanto mais cedo você aprendeu a teclar, mais impacien­­te você será. Discorda da minha tese? Acha que carece de comprovação científica? Carece, de fato. Mas faz sentido, não faz?

Não me refiro ao teclado do computador – esse fica para outra crônica da série "Por que a pressa se a vida não vai ficar mais divertida?" – e sim ao teclado do telefone, que substituiu o disco plástico com furinhos dos aparelhos antigos. Lembra como era? Você colocava o dedo no furinho correspondente ao número que queria e girava até o limite. Aí deixava o disco voltar sozinho para a posição inicial. E assim discava a sequência de algarismos. Se o número tivesse muitos zeros era preciso esperar mais tempo porque o disco tinha que dar uma volta completa. Mas isso era natural, não havia alternativa e falar em um aparelho preto e pesadão e ouvir alguém que podia estar em outra cidade já era tão bacana que ninguém se queixava da demora. Em um aparelho daqueles, quando você discava, tinha tempo para pensar bem no que estava fazendo, arrepender-se e desligar antes que o aparelho tocasse lá na casa do interlocutor.

Aí veio o teclado, rápido, sem intervalo entre um algarismo e outro e a vida ganhou novo ritmo. Bi-bi-bi-bi e pronto. Tá discado. A partir daí, a vida sobre a terra ganhou um novo ritmo e novas pragas.

Primeira praga moderna: os call centers. Com todo o respeito por quem trabalha lá, é infernal atender todos os dias telefonemas de alguém que quer te oferecer algo de que você não precisa.

Segunda pra­­ga mo­­derna: os números de telefone gigantescos. Quando criança, vi números de telefone de cidades pequenas que eram formados por dois algarismos. Agora, se você quiser falar com o tio que mora em uma vilazinha de 2 mil habitantes, terá que discar oito algarismos, mais dois do código de área, dois da operadora e um zero para in­­dicar interurbano. Imagine discar 13 algarismos para qualquer lugar naqueles telefones de ba­­quelite? Quando você terminasse de discar já não lembraria qual era mesmo o assunto.

Foram as máquinas velozes que nos deixaram insanamente apressados ou sempre fomos in­­sanamente apressados e por isso inventamos as máquinas velozes? Indo direto ao que interessa: terminamos o trabalho em me­­nos tempo e vamos para casa? Ou terminamos o trabalho em me­­nos tempo e pegamos outro trabalho em seguida?

Havia uma lenda muito di­­vulgada até uns 20 anos atrás de que a tecnologia permitiria que as pessoas trabalhassem menos. Claro que isso não aconteceu. Ninguém que tem um trabalho trabalha menos hoje do que trabalharia no mundo a.T. Além do mais, a pressa que a tecnologia gera dá à vida um ritmo neurótico, nervoso e, principalmente, efêmero. Tudo é efêmero, assim como as novidades tecnológicas. O teclado cedeu espaço para as telas interativas e agora é só deslizar o dedo sobre ela e a ligação está feita. E eu vou para casa mais cedo por isso? Não. Nem você. E cai a ficha de que o tempo ganho com tecnologia é consumido por outras formas de tecnologia? Não.

Aliás, está na hora de esquecer de vez essa história de "cair a ficha", que os telefones públicos não usam mais as moedinhas metálicas e, portanto, ela não vai cair nunca mais.

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