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Noite sim, noite não, cai um temporal em Curi­­tiba. Conversando com vizinhas, duas delas me contam que acordaram por volta das quatro da manhã com o barulho da chuva e lembraram que tinham roupas no varal. Já que, com o clima úmido da cidade, roupa seca é um bem precioso, as duas pularam da cama e foram para o quintal recolher o que estava por lá. (Eu também acordei na mesma hora que elas e lembrei que havia deixado uma rede no quintal, mas tive preguiça de le­­vantar e a rede amanheceu ensopada.) A operação resgate só foi possível porque os quintais encolheram. Na realidade, o que eu e minhas vizinhas chamamos de quintal é um retângulo de poucos metros quadrados, de chão coberto por lajota e muros altos sobre os quais se apoia uma cerca elétrica. Qual­­quer semelhança com a descrição do pátio de uma prisão não é coincidência. É assim mesmo que vivemos hoje. Para nós, é uma realidade tão banal que nem pensamos mais nela. Uma vez fui visitada por uma senhora fran­­cesa e, ao sairmos para o quintal, notei seu olhar voltado para o alto, espantada que ela estava com a cerca elétrica sobre o muro. A inocência dos olhos da francesa me contaminou e agora, toda vez que olho para cima, percebo que os fundos da minha casa parecem os fundos de um presídio.

Se nossos quintais fossem como os de tempos atrás (ou de cidades do interior ou de alguns sortudos moradores de casas antigas), as vizinhas teriam de caminhar muito mais para chegar ao varal, que talvez estivesse em um canto do terreno, perto daquele puxadinho onde se cuida da roupa. Teriam de passar pelo canteirinho de tempero verde, desviar a casinha do Bidu, prestar atenção para não pisar nas roseiras e, finalmente, chegariam àquele varal onde roupas tremulam ao vento que enlouquece os curitibanos.

Quando rodei a cidade procurando uma casa para morar, percebi que os quintais se resumem hoje a uma areazinha cimentada que só é usada para alojar o varal dobrável ou um daqueles que parece um guarda-sol. Por me­­nor que eles sejam, me parece que está se desperdiçando di­­nhei­­ro sem se dar conta. Afinal, ao comprar ou alugar a casa, pa­­ga-se por cada metro quadrado, mesmo por aqueles que servirão apenas para secar a roupa – não é mais barato comprar uma secadora de roupas? Mesmo pequenas, as áreas externas deveriam ser tratadas como espaço nobre, com um pouquinho de grama, um jardinzinho ou pelo menos uma cadeira para o sortudo mo­­rador tirar uma soneca depois do almoço de domingo.

Nesse aspecto, o imóvel mais humilde e o mais sofisticado andam se igualando. Em condomínios e casas novos, o imóvel é construído para aproveitar o má­­ximo do terreno. Deixam descoberto apenas o mínimo exigido pela lei (há casos em que a lei vai para as cucuias e o imóvel novo encosta no muro do vizinho). A desproporcionalidade entre o tamanho do imóvel e a área do terreno cria um desequilíbrio visual desagradável. É feio.

Quintais já foram o paraíso das crianças, o universo da imaginação onde se travava batalhas e duelos usando os galhos das árvores como abrigo, onde se brincava de casinha sentando nos degraus da porta da cozinha enquanto a mãe, lá dentro, preparava o almoço. Hoje há quem desdenhe das crianças que passam horas jogando videogame ou vendo televisão. Mas onde está o quintal desta geração? Cada um constrói sua casinha e trava suas batalhas no terreno de que dispõe.

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