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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Toda manhã, ao acordar, Ítalo Calvino dizia a si mesmo: "Hoje tenho de ser produtivo". Então se ocupava de várias tarefas práticas que classificava de bobagens, como fazer compras e ir ao banco. Gastava muito tempo lendo vários jornais, que ele via como uma espécie de droga, porque tomavam muito de seu tempo, mas ele não conseguia passar sem eles. Como sei disso? Foi ele quem contou em um dos textos que escreveu ao longo da sua muito produtiva vida.

O que diria o senhor Calvino se andasse por aqui hoje em dia? Talvez evitasse a enorme quantidade de distrações que temos agora, capazes de tomar todo o nosso dia, de nos cansar mesmo sem produzir nada. Talvez continuasse se queixando só dos jornais. Desde que ele morreu, em 1985, a tecnologia desenvolveu um braço que faz basicamente isso: manter o ser humano distraído. Ou ocupado. Os adolescentes, por exemplo, andam incrivelmente ocupados se distraindo com telas de todos os tamanhos.

Foi curioso ler a historinha do escritor italiano quando pensava em outra coisa que eu classifico como droga. Ando achando que o desejo de ser produtivo, de não perder tempo, é um entorpecente: toma conta de toda a sua vida. Querer ser produtivo full time é angustiante. O fulano não descansa, fica se cobrando o dia todo. E, da escola à empresa, só querem isso de você – que seja produtivo. É para isso que você é preparado desde pequenininho.

Sim, eu sei. A vontade de ser produtivo também é positiva. Faz questionar se o tempo está sendo bem usado, se não estamos nos perdendo em bobagens sem importância. É verdade, não discordo disso, leitor.

Por trás da nossa preocupação com o uso do tempo há questões práticas, como a necessidade de se sustentar, de realizar projetos. Mas principalmente, creio eu, o que nos compele à produtividade é a morte sempre piscando lá no fim do túnel. Vamos acabar um dia e por isso corremos. É como ir a uma festa e lembrar, a cada meia hora, que ela terá um fim. Aí você corre para pegar mais uma taça de vinho, come um bocadinho mesmo sem estar com muita fome, conversa ainda que não esteja com vontade. Dança feito louco porque logo vai tocar o "ai, ai, ai, ai, está chegando a hora". Em resumo, você quer aproveitar a festa porque está consciente de que ela não vai durar para sempre.

Ter uma vida produtiva é bacana, mas só você pode avaliar se vale a pena o seu empenho. Porque a ideia do que é uma vida produtiva reflete todas as nossas crenças. Vida produtiva pode ser a do sujeito que progride na profissão, que fica famoso, que fica rico. Ou pode ser a daquele que desfruta muitas horas confraternizando com os amigos, ou que passa as tardes lendo, ou ajudando os carentes e não ganha nada em troca (e por isso é um cara duro), que cuida dos netos, que cultiva um jardim, que faz o almoço da família. O que não dá é para descasar o uso do tempo das suas crenças.

Não dá para passar os dias lendo, deitado na rede, se o que você acha importante na vida é trabalhar. Nem trabalhar o tempo todo se sua alegria é ler na rede ou em qualquer outro lugar. O Calvino, que foi um escritor muito produtivo, deve ter tido muita coragem para assumir o que queria fazer na vida. Chegou a estudar Agronomia para agradar aos pais. Quase todo mundo acha que o sujeito que quer ser escritor está sendo sonhador, ou bobo até. Essa é uma desconfiança que cerca todos os artistas. Nesse contexto, ser produtivo, caro leitor, é até fácil. Difícil mesmo é ter coragem de fazer o que realmente se quer fazer.

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