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O chileno Roberto Bolaño: personagens mais bem-acabados nos romances | Divulgação
O chileno Roberto Bolaño: personagens mais bem-acabados nos romances| Foto: Divulgação

Essencialmente autobiográfico, o escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003) estava condenado a uma obra rebarbativa, tal como se pode ver em mais um título seu publicado no Brasil: Chamadas Telefônicas. Editados originalmente em 1997, os contos são voltas em torno de seus agora já velhos temas: uma juventude vagando pelo mundo, a falta de sentido de tudo, suicídios, desistências, o sexo em excesso e sempre frustrante, solidões extremas, o Chile perdido, pequenos enigmas... Neste painel depressivo, só a leitura tem papel salvador. Os seus personagens se apegam ao mundo pelos livros, mas de forma desesperançada. Eles não são leitores convencionais, escorados em prateleiras confiáveis, e sim pessoas à beira do desespero, que se agarram a um livro (nem sempre bom) apenas para continuar vivas por mais algum tempo.

Escritores falhados também aparecem com regularidade nestas histórias. Vivendo entre poetas e outros bichos literários, Bolaño vê o escritor como um profissional da inadequação, e conta trajetórias sempre infrutíferas desses desajustados e de si próprio, neste caso sob o alter ego de Arturo Belano, que aparece em alguns momentos deste volume.

Em "Sensine", narrativa que abre a coletânea, Belano conhece a solidão de um chileno que se dedicava, na Espanha, a participar de concursos de contos. Mudando apenas o título, submetia os mesmos textos a vários prêmios, conseguindo assim sobreviver no exílio. O narrador aprende com ele esta possibilidade de profissionalização que consta da trajetória tumultuada do próprio Bolaño. Em "Detetives", ele glosa mais um episódio biográfico, a ajuda de dois amigos de escola (agora policiais) no período em que esteve preso no regime de Pinochet. Neste conto, todo ele dialogado, os policiais fazem um retrato ácido de Belano/Bolaño, mostrando o seu enlouquecimento.

Estas histórias, com outros elementos factuais, farão parte dos livros que o consagraram como um dos mais originais autores latino-americanos, mas aqui aparecem como repetição antecipada de seus recursos. É que ele escreveu apenas sob o impacto de suas experiências geracionais. Nesses relatos, todos de leitura agradável, sentimos mais do que em outros livros seus uma saturação temática e estilística.

E isto é explicável. O autor estava ainda testando seus instrumentos. E trazia um pouco dos defeitos de quem escrevia para concursos do interior. Assim, são comuns clichês narrativos, típicos da subliteratura: "A vida, como dizem nas telenovelas, continua" (p.66). Mais grave no entanto é uma tendência para perfis biográficos. Muitos destes contos levam o nome do personagem principal e são resumos de vidas rocambolescas, apresentadas em poucas páginas. Se tal opção permite revelar figuras interessantes, estas nunca cabem no formato escolhido. Será no romance, principalmente nos grandes painéis, como Os Detetives Selvagens (1998), que ele poderá investigar ficcionalmente essas vidas.

Apenas uma peça desta coletânea tem a grandeza de seus melhores textos – "Joanna Silvestri", a história do reencontro de uma atriz pornô com um velho astro com quem contracenou no passado. Aqui, Bolãno opta por uma cena central, a gravação de um novo filme durante o dia e os encontros noturnos com o garanhão de outrora, tirando o máximo deste descompasso de temporalidades. É Joanna quem talvez sintetize a condição não apenas de seu grupo, mas de todos os personagens de Bolaño, sempre sujeitos à irrealidade circundante: "Eu me sinto tentada a lhe dizer que todos somos fantasmas, que todos entramos cedo demais nos filmes dos fantasmas" (p.181). E é assim, como imagens gastas, que esses seres se repetem, tal como os quadros de um filme pornô.

Serviço:

Chamadas Telefônicas, de Roberto Bolaño. Tradução de Eduardo Brandão. Companhia das Letras, 216 págs. R$ 37,50. Contos.

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