• Carregando...
 |
| Foto:

As férias escolares nos prendem ainda mais à condição de pais. Os fi­­lhos ficam pela casa, mo­­nopolizam o aparelho de televisão, exigem brincadeiras, passeios, cardápios diferentes, criando ou­­tras prioridades. Claro, nós tínhamos imaginado um momento de descanso e de diversão do casal: caminhar no meio da manhã civil, sair pelos cafés à tarde como no tempo de namoro, ficar lendo ao sol nas cadeiras instaladas no jardim – enfim, essas coisas todas.

Mas nossos dias de folga coincidem com as férias das crianças. E então entendemos o valor da escola. Quando os filhos deixam nossa jurisdição para ficar sob a guarda dos professores, podemos retomar a posse de nossas vidas. Pena que neste período há as obrigações de trabalho, quando nossa identidade profissional se impõe. E assim vamos nos perdendo de nós mesmos.

Para resistir a este processo de apagamento, sempre evitamos chamar o outro de pai ou de mãe.

– Mãe, veja esta matéria no jornal.

Criando apelidos, brincamos com as formas de tratamento tradicionais ("senhor fulano de tal", "dom isso", "dona aquilo") para fugir ao papel social que a maternidade e a paternidade querem colar em nós. Não somos pai e mãe, somos nossos nomes, o que faz com que os filhos, em alguns momentos, também nos tratem assim, num distanciamento que causa alguma estranheza nas pessoas. Infelizmente, na maior parte do tempo, sendo chamados pelos nomes ou não, agimos como pais.

Não vou dizer que isso seja terrível. Não é nem bom nem ruim, é apenas como deve ser.

Acordamos de noite com a tosse do mais novo. Saímos de madrugada para buscar a filha em festinhas, praticando uma nova profissão – a de taxista, pois sempre há mais uns três adolescentes que devemos entregar em endereços os mais diversos, permitindo que outros pais durmam um pouco melhor.

E não queremos mudar nada. Os filhos precisam dos pais talvez menos do que os pais precisem dos filhos, porque já não sabemos ser de outra forma.

Mas merecíamos ao menos umas pequenas tréguas, embora nos reste apenas suspirar por elas.

Uma amiga me confidenciou:

– Estou cansada de ser mãe.

Falou isso em voz baixa, pois não é fácil confessar publicamente este cansaço. Pais são seres que enfrentam todas as adversidades, transformam a luta pela sobrevivência da espécie em um objetivo de vida, construindo possibilidades de futuro para a sua prole. Então, a sociedade espera de nós que sejamos os provedores não apenas materiais mas também morais.

Concordamos com isso, e achamos que deve ser assim mesmo. Mas não teríamos direitos trabalhistas como qualquer outro empregado? A minha pergunta é retórica.

Poderíamos deixar os filhos com alguém e passar uns dias em algum hotel, um hotel em nossa cidade mesmo, só para poder dormir, não fazer nada durante a manhã, não se preocupar com a refeição. Mas mesmo assim ainda seríamos pais. Tendo estreado esta condição, não dá mais para ser de outra forma. Os filhos continuam presentes mesmo quando longe de nós, circunstância em que nos ocupam ainda mais.

Para nós, somente os momentos roubados. Enquanto a filha ouve música e o filho brinca com os seus tratores e caminhões, namoramos um pouco. Eles dormem pela manhã e aproveitamos para preparar um chá e ficar na cozinha falando de coisas bobas, sem a interrupção tão comum quando todos estão vagando pela casa. Vemos pedaços de filmes inclassificáveis durante a madrugada, sempre com o volume muito baixo para não incomodar ninguém.

É assim que entramos para a clandestinidade, fazendo tudo às escondidas, como na época em que éramos dois adolescentes e nossas famílias nos controlavam para que não cometêssemos nenhuma burrada.

Durante as férias, temos que nos manter ainda mais atentos. Inventar mentiras para garantir o mínimo de individualidade.

– O pai e a mãe – nestas horas é bom reafirmar isso – vão sair um pouquinho para resolver um problema.

E assim conseguimos criar um interregno para um almoço a dois, planejado tantas vezes e sempre adiado.

Escolhemos um bom restaurante, pedimos um prato que nos agrada, e falamos de uma futura viagem a tal lugar. Quando o pedido chega, estamos rememorando a primeira vez que levamos a filha à praia, e já não é mais o casal que está ali, aproveitando uma horinha de liberdade, mas a família toda.

– E se fizéssemos uma viagem de trem com as crianças?

– Foi uma grande experiência a primeira vez que andei de trem – um de nós responde.

– Ligue para casa para ver se está tudo bem – o outro ordena.

– Melhor ligar depois, pois a comida está esfriando.

E comemos em silêncio aquele alimento que devia nos devolver ao tempo em que, recém-casados, sonhávamos vagar pelo mundo, sem compromissos, completamente empenhados em satisfazer nossos desejos.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]