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Justiça do RS proíbe distribuição de medicamentos para tratamento precoce da Covid-19 em Porto Alegre
Ivermectina, Azitromicina, Hidroxicloroquina e Cloroquina são usados no tratamento precoce| Foto: SESA/PR

Uma espécie de guerra fria entre o Ministério Público Federal (MPF) em Goiás e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) relacionada ao tratamento precoce contra a Covid-19 se estende desde dezembro de 2020. O conflito, que se dá por trocas de ofícios entre as duas partes, inclui até uma batalha de referências bibliográficas sobre o tratamento precoce.

O procurador da República em Goiás é Ailton Benedito, que desde 2019 também tem o cargo de secretário de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral da República (PGR). Bastante ativo nas redes sociais, ele costuma se mostrar alinhado ao presidente Jair Bolsonaro na maior parte dos assuntos. Já a SBI tem se manifestado contra as ideias de Bolsonaro e algumas recomendações do Ministério da Saúde durante a pandemia.

O impasse entre MPF e SBI começou em dezembro de 2020, quando a entidade médica publicou um documento em que se manifestava contrária ao uso de drogas como cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, nitazoxanida, corticoides e zinco no tratamento precoce contra a Covid-19. O documento afirmava que a SBI “não recomenda tratamento farmacológico precoce para COVID-19 com qualquer medicamento”, com a justificativa de que “os estudos clínicos randomizados com grupo controle existentes até o momento não mostraram benefício e, além disso, alguns destes medicamentos podem causar efeitos colaterais”.

O MPF-GO pediu explicações à SBI sobre essas recomendações. Requisitou, entre outras coisas, cópias de estudos clínicos randomizados que desaconselhavam o tratamento precoce. Também pediu que a entidade médica explicasse por que discordava das orientações do Ministério da Saúde, que recomenda o tratamento precoce contra a Covid.

Para o MPF, o posicionamento da SBI podia “ocasionar alguma confusão interpretativa entre órgãos, instituições, veículos de imprensa e na sociedade”, o que implicaria lesão a direitos fundamentais dos pacientes de Covid-19. A preocupação do MPF é que a declaração da SBI poderia provocar a “inferência de que essa entidade esteja recomendando que não seja prestado aos pacientes de Covid-19 tratamento farmacológico precoce com os referidos medicamentos”. “‘Não recomendar tratar’ não significa ‘recomendar não tratar’”, resumiu o MPF.

Novos documentos trazem uma batalha de referências bibliográficas

Na briga entre o MPF-GO e a SBI, três documentos chamam a atenção pela quantidade de referências bibliográficas usadas para defender ou atacar a ideia do tratamento precoce.

Em 14 de dezembro, a SBI enviou como primeira resposta ao MPF-GO um ofício de 43 páginas com mais de 80 referências bibliográficas relacionadas a pesquisas que sustentam seu posicionamento.

A pedido do MPF-GO, o biólogo Regis Bruni Andriolo, pós-doutor em Saúde Coletiva pela Universidade de São Paulo (USP), enviou ao MPF-GO no dia 8 de fevereiro, uma manifestação que rebate o ofício enviado pela SBI. O estudo tem 203 páginas e 38 referências bibliográficas. Traz ainda uma lista com 2.447 pesquisas sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina obtida a partir de buscas em bases de dados.

Além disso, no dia 24 de fevereiro, o MPF-GO divulgou uma nota técnica de 117 páginas favorável ao tratamento precoce assinada pelos médicos infectologistas Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves, pela biomédica Rute Alves Pereira e Costa e pelo psicólogo Bruno Campello de Souza. O MPF não diz se essa nota é uma resposta à SBI, e informa apenas que Ailton Benedito “solicitou o estudo para embasar procedimento administrativo em curso no MPF em Goiás”.

A nota técnica conta com 124 referências bibliográficas. Os especialistas destacam que “já existem evidências científicas que possibilitam a indicação de terapia farmacológica segura e eficaz para a Covid-19”, que “a prescrição de todo e qualquer medicamento é prerrogativa do médico”, e que “o tratamento do paciente suspeito ou portador de COVID-19 deve ser baseado na autonomia do paciente”. Salienta ainda que “em uma situação pandêmica grave, todas as medidas potencialmente úteis devem ser consideradas, desde que se respeite a autonomia do médico e o princípio ético universal da não-maleficência”.

No dia 22 de janeiro, o MPF-GO mandou uma resposta ao ofício enviado pela SBI no dia 14 de dezembro, solicitando esclarecimentos a respeito de alguns dos pontos do documento de 43 páginas. O MPF deu prazo de cinco dias para a contestação da SBI, e a entidade solicitou por ofício que esse prazo fosse dilatado para 60 dias. O MPF deferiu parcialmente esse pedido, dando 15 dias para a resposta. Esses 15 dias já se esgotaram, e os dois órgãos foram consultados pela Gazeta do Povo quanto à contestação que a SBI deu, mas, até a tarde desta sexta-feira (5), ainda não haviam respondido à consulta.

Outras batalhas: médicos fazem abaixo-assinados sobre tratamento precoce

Não é só na briga entre MPF-GO e a SBI que as controvérsias sobre o tratamento precoce têm mobilizado especialistas. Os antagonismos dentro da classe médica também ficam evidentes em abaixo-assinados divulgados recentemente.

No fim de fevereiro, mais de 2 mil médicos publicaram um manifesto favorável ao tratamento precoce. O texto, chamado de Manifesto pela Vida, causou polêmica por ter sido publicado como material publicitário na edição impressa de 11 jornais brasileiros, como O Globo e a Folha de S. Paulo. Os especialistas citam evidências científicas e clínicas para defender o uso de um coquetel de remédios para evitar que pacientes progridam para fases mais graves da doença.

Na quinta-feira (4), Bruno Caramelli, médico cardiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, entregou ao Ministério Público Federal (MPF) uma representação pedindo a abertura de inquérito civil para apurar a atuação do Conselho Federal de Medicina durante o período em que o Ministério da Saúde recomendou o tratamento precoce contra a Covid-19.

Caramelli argumenta que o Conselho não cumpriu com suas obrigações de fiscalizar a atuação médica ao não se posicionar sobre a propaganda do Governo Federal pelo uso de medicamentos para o tratamento precoce. Ele solicitou que seja verificada qual é “a responsabilidade civil, administrativa e/ou penal da Diretoria do Conselho Federal de Medicina” no caso, bem como que os representantes da entidade prestem esclarecimentos. Também encaminhou um abaixo-assinado com 4,6 mil assinaturas, coletadas por meio da plataforma Change.org, em apoio à representação. Não é possível saber quantos médicos assinaram o documento, pois não há a indicação de registros profissionais.

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