Quase cinco meses depois de pedir a prisão preventiva de Allan dos Santos, fundador do canal Terça Livre, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes voltou a fazer pressão pela extradição do jornalista dos Estados Unidos para o Brasil.
Na última sexta (11), Moraes deu um prazo de cinco dias para que o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional de Justiça, preste informações sobre as medidas adotadas para a “efetivação junto ao governo dos Estados Unidos” do processo de extradição.
Em outubro de 2021, após o pedido de prisão preventiva, o ministro da Justiça, Anderson Torres, afirmou que não barraria o processo para solicitar a extradição, mas que antes do pedido era necessário fazer uma análise técnica. “A gente está analisando os critérios e tudo o que foi feito, porque, independente da ordem de prisão, existe uma análise técnica pelo Ministério da Justiça. Depois, no cadastramento disso junto à Interpol, tem uma série de requisitos a serem cumpridos”, afirmou em entrevista à Jovem Pan. Torres chegou a dizer que discordava da decisão de Moraes, mas seria obrigado por lei a fazer o pedido de extradição. Allan dos Santos mora nos Estados Unidos desde agosto de 2020 e está, atualmente, tentando obter visto de trabalho.
De forma indireta, o caso acabou colocando em ameaça o posto do atual secretário Nacional de Justiça, Vicente Santini. Uma investigação da Polícia Federal levantou suspeitas de pressão dentro do Ministério da Justiça, por parte de Santini, para que funcionários da pasta não levassem à frente o pedido de extradição de Allan dos Santos. Santini admitiu que fez uma solicitação formal à consultoria da pasta sobre a possibilidade de acessar informações do processo de extradição, mas negou que tenha pressionado funcionários a obstruir esse processo.
Em dezembro de 2021, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pediu o afastamento de Santini do cargo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) recomendou ao STF que rejeitasse esse pedido, afirmando que é natural que o secretário Nacional de Justiça busque se inteirar sobre o assunto. Além disso, em janeiro deste ano, a Advocacia Geral da União levantou argumentos técnicos para contestar a legitimidade de Randolfe para fazer esse pedido, e acrescentou que o secretário Nacional de Justiça não exerce um cargo com foro privilegiado, razão pela qual o STF não seria a instância correta para julgá-lo.
Com o novo pedido de Moraes realizado na última sexta-feira, Santini tem até o fim da quarta-feira (16) para responder ao STF sobre o andamento do processo de extradição de Allan dos Santos.
Terça Livre compara atuação do Judiciário brasileiro com ditaduras de esquerda
No domingo (13), em resposta à pressão de Moraes pelo andamento do caso, o Terça Livre entrou com uma nova ação no STF contestando o bloqueio financeiro e a exclusão das contas do canal em plataformas digitais.
Em outubro do ano passado, o Terça Livre já havia entrado com um mandado de segurança contra o STF, alegando “violação a uma série de direitos constitucionais fundamentais, como a liberdade de imprensa, livre iniciativa, exercício de profissão, devido processo legal, entre outros”.
Na nova ação, o canal compara o que acontece no Judiciário brasileiro à situação da Venezuela, ao ressaltar as “constantes violações à liberdade de imprensa denunciadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, como no caso da ‘Ley contra el Odio’ na Venezuela, criada por Maduro para perseguir opositores e críticos ao seu governo ditatorial”.
“A pergunta é: será que o caminho brasileiro se dirige, no que se refere à liberdade de expressão e imprensa, ao mesmo destino de países como Venezuela, Cuba e outros submetidos a regimes totalitários? É por essa senda que se pretende exercer a guarda da nossa Constituição cognominada como a ‘Carta Cidadã’?”, questiona o Terça Livre no documento.
Os atos de Moraes sobre o caso são denunciados como “violação ao dever de imparcialidade do juiz inscrito como regra no Código de Processo Penal e princípio do direito na Constituição”. O Terça Livre ressalta que, até agora, não teve acesso aos autos do processo contra Allan dos Santos.
Allan dos Santos e Terça Livre colecionam sanções nos últimos meses
O Terça Livre e seu fundador acumulam uma série de sanções sofridas desde o começo de 2021, entre decisões judiciais e censuras das próprias redes sociais.
- Em fevereiro de 2022, Allan dos Santos teve três contas bloqueadas pelo aplicativo de mensagens Telegram. A empresa resolveu acatar o pedido do ministro Alexandre de Moraes, que ameaçou suspender o serviço de mensagens caso a empresa não bloqueasse as contas do jornalista. Três canais ligados a Allan dos Santos (@allandossantos, @tercalivre e @artigo220) foram suspensos.
- Em outubro de 2021, além de ter decretado a prisão preventiva de Allan dos Santos, Moraes bloqueou todas as contas bancárias atreladas ao nome dele. O bloqueio das contas deixou “cerca de 50 colaboradores do Terça Livre TV sem o salário”, de acordo com o próprio site, que acabou encerrando suas atividades por causa da sanção.
- Também em outubro de 2021, Twitter e Instagram removeram as contas mantidas por Allan dos Santos nas plataformas.
- Em fevereiro de 2021, o YouTube retirou do ar o Terça Livre, alegando que o canal teria publicado conteúdos falsos. Em 7 de janeiro do mesmo ano, o Terça Livre havia defendido em um vídeo a tese de que houve fraude nas eleições americanas, o que o YouTube considerou enganoso. Uma decisão de março do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) obrigou o YouTube a reativar o canal. Mas, em julho do mesmo ano, após nova decisão da Justiça, o Terça Livre voltou a ser banido da plataforma de vídeos.
É pouco provável que EUA acatem extradição de Allan dos Santos
Mesmo que o Ministério da Justiça e a embaixada brasileira nos EUA façam esforços para obter a extradição de Allan dos Santos, há grandes chances de o pedido não ser acatado pelo governo norte-americano.
A Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que apresenta uma defesa inflexível de alguns direitos fundamentais, torna o país radicalmente avesso a medidas legislativas e judiciais que limitem a liberdade de expressão. Como as acusações contra Allan dos Santos giram em torno justamente desses direitos, isso poderia complicar ou até impedir sua extradição.
De acordo com o Manual de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça sobre os EUA, “os crimes de injúria, difamação, calúnia e também delitos de preconceito, em regra são considerados como atos relacionados à liberdade de expressão e não são criminalizados naquele país”. É pouco provável que se abra uma exceção no caso de Allan dos Santos.
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