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Advogados e familiares denunciam omissão no atendimento à brasiliense Adalgiza Maria Dourado, de 65 anos, na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), conhecida como Colmeia. Segundo eles, a idosa apresenta risco iminente de atentar contra a própria vida desde agosto de 2024 e não tem recebido o tratamento necessário.
“Se tornou uma condenada à morte”, alerta o advogado Luiz Felipe Cunha. “Ela está definhando a cada dia, chora compulsivamente e tem medo de adoecer e morrer dentro da cadeia”, continua a irmã Célia Regina de Souza Sales Santos.
De acordo com ela, Adalgiza é viúva, mãe, avó e bisavó (imagem abaixo), e atuava como voluntária em uma instituição de caridade na cidade de Brasília, recebendo auxílios governamentais como Bolsa Família. “É uma pessoa muito simples”, afirma, ao citar que a idosa foi condenada a 16 anos e meio de pena por ter usado uma tampa de cinzeiro para bater em uma catraca durante os atos de 8 de janeiro.

“Ela tinha sofrido um tiro de bala de borracha, estava com a adrenalina alta”, relata a irmã, ao lamentar a desproporcionalidade entre o ato cometido por Adalgiza e a pena que recebeu. “Afinal, qual a força que uma idosa de 65 anos tem para causar algum dano?”, acrescenta o advogado, ao caracterizar o caso como “aberração jurídica” em que a cidadã não teve direito ao devido processo legal e à ampla defesa.
Segundo ele, Adalgiza tem histórico de tentativas de suicídio e voltou a ter crises no cárcere, onde segue presa desde junho de 2024. “Ela não está recebendo atendimento adequado, segue ‘dopada’ de remédios e sua condição é grave”, revela Cunha, ao citar que diversos pedidos de prisão humanitária foram realizados à Vara de Execuções Penais (VEP) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) até março deste ano, mas foram negados.
“Se tornou uma condenada à morte”
Luiz Felipe Cunha, um dos advogados que atende Adalgiza Maria Dourado
Na última quinta-feira (10), no entanto, a defesa ingressou com um novo pedido ao ministro Alexandre de Moraes para que Adalgiza cumpra pena em casa. “Nossa expectativa é que seja concedido devido às denúncias que fizemos em relação ao descaso do presídio, às comorbidades dela e à idade”, disse o advogado à Gazeta do Povo.
Ainda segundo ele, o caso também foi remetido à Organização dos Estados Americanos (OEA) este mês devido ao “risco concreto" de morte. “Ela fala a respeito da intenção de suicídio em praticamente todas as nossas visitas”, aponta.
“No atendimento que tivemos na última segunda-feira (7), por exemplo, percebi grande piora em seu estado físico e emocional”, alerta, ao revelar que a mulher está apática, com “fala arrastada”, sonolência e desânimo até mesmo para sair da cela durante banhos de sol.
“E ela tem relatado sintomas de arritmia cardíaca, como palpitação e falta de ar”, acrescenta o advogado, informando que um exame do coração chegou a ser autorizado pela Vara de Execuções Penais (VEP) em dezembro de 2024, mas nunca foi realizado.
Psiquiatra forense aponta omissões no caso de Adalgiza
A Gazeta do Povo teve acesso ao prontuário com os atendimentos de saúde recebidos pela idosa, e solicitou ao médico José Lúcio da Silveira, especialista em Psiquiatria Forense, Medicina Legal e em Perícias Médicas, que analisasse o documento com as consultas registradas entre agosto e outubro de 2024.
De acordo com ele, o prontuário mostra “omissão e negligência” no caso, pois a paciente apresentava ideação e planejamento suicida durante um episódio depressivo grave, e a equipe médica deveria ter seguido as técnicas para manejo de alto risco de suicídio.
“Ela deveria estar em ambiente hospitalar ou sob vigilância contínua (familiar ou médica), com consultas semanais ou mais frequentes, além de acompanhamento multidisciplinar”, afirmou o psiquiatra forense, ao citar que essa é uma exigência estabelecida na Lei nº 10.216/2001.
Além disso, o especialista aponta que a medicação prescrita à idosa deveria apresentar ajustes durante o tratamento, com mudança na dose e troca ou associação de outros fármacos que reduzissem o risco de suicídio, o que não foi descrito no prontuário.
“E sempre com acompanhamento médico rigoroso”, pontuou Silveira, ao citar ainda que, apesar da descrição de melhora, não é possível afirmar que a paciente estava “fora de risco”, devido ao seu histórico e à falta de atendimento “intensivo e multidisciplinar”.
Ainda segundo o especialista, o procedimento recomendado para o caso seria internação hospitalar de Adalgiza para estabilização inicial e posterior tratamento ambulatorial em CAPS, “com possibilidade de conversão da pena para o regime domiciliar em casos de grave risco à saúde mental”, como estabelece a Resolução 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Procurada para confirmar se a unidade prisional seguiu as diretrizes técnicas para presos com alto risco de suicídio, a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) não se manifestou.
Prontuário médico citava necessidade de “vigilância rigorosa”
Segundo o prontuário de Adalgiza, ela começou a apresentar crises no mês de agosto do ano passado e relatou, no dia 22 daquele mês, ataques de pânico, ansiedade, humor deprimido, pensamento e planejamento suicida, além de dores generalizadas no corpo. O médico que a atendeu recomendou à Polícia Penal “vigilância rigorosa à paciente” e afirmou que não poderia ficar sozinha na cela (imagem abaixo).

O prontuário também informa que, após as queixas da idosa, uma consulta com psicólogo foi marcada para 30 de agosto, quando Adalgiza citou “intenso sofrimento” e “ideação suicida”. O especialista que a atendeu apontou necessidade de acompanhamento psicológico regular e contínuo (imagem abaixo).

Já no dia 3 de setembro, a mulher procurou a equipe de saúde da unidade prisional novamente. Segundo ela, as medicações a deixavam “sonolenta, lentificada e com tonturas esporádicas”, e ela quase teria caído no banheiro devido à “letargia e tontura intensa”. A idosa também relatou continuar triste e sem vontade de viver. Depois disso, foi atendida novamente por psicólogo nos dias 23 e 27 de setembro, sem detalhes das consultas.
Na semana seguinte, em 2 de outubro, Adalgiza foi recebida pela equipe médica para “emissão de prescrição de repetição”, e no dia 4, avaliada pelo médico da unidade como “disposta e ativa”, “sem queixas psíquicas no momento” e com retorno previsto para o mês seguinte.
Porém, a defesa informa que a mulher não foi atendida novamente e que o tratamento realizado teria sido insuficiente, pois os sintomas percebidos pela defesa e familiares permanecem até hoje. Diante da situação, o advogado fez outra denúncia à OEA apontando o descaso dos agentes públicos do presídio envolvidos no atendimento de Adalgiza.
A Gazeta do Povo procurou a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF), mas a instituição afirmou, em nota, que não comenta informações relacionadas à saúde dos custodiados.
A secretaria pontuou ainda que as unidades prisionais do Distrito Federal (DF) possuem Unidades Básicas de Saúde Prisional (UBSP) para atendimentos de Atenção Primária, Urgência e Emergência e que, para atendimentos especializados, “os reeducandos são encaminhados, com escolta da polícia penal, para hospitais de referência”. Os atendimentos, segundo a Seape, ocorrem seguindo “fluxo da população em geral”.
Defesa e familiares aguardam decisão de prisão domiciliar
Segundo o advogado de defesa Luiz Felipe Cunha, o caso de Adalgiza contraria diversos artigos da Constituição Federal (CF) por não seguir o devido processo legal, não oportunizar ampla defesa e não ter o julgamento em primeira instância, com direito à recurso.
"Além disso, viola tratados internacionais de direitos humanos", aponta, ao citar que o risco de morte da idosa dentro do sistema prisional impõe a necessidade de "medidas urgentes para evitar o agravamento da situação.
Por isso, defesa e familiares aguardam com expectativa a decisão de Moraes a respeito do novo pedido de prisão domiciliar humanitária protocolado na quinta-feira (10). “Estamos muito confiantes com esse novo pedido, e a família toda segue em oração”, finaliza a irmã Célia Regina.
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