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Ativistas de esquerda, do Coletivo Juntos, em discurso para calouros da USP, no início do ano letivo de 2022.
Ativistas de esquerda, do Coletivo Juntos, em discurso para calouros da USP, no início do ano letivo de 2022.| Foto: Divulgação/Redes Sociais

Os protestos que se seguiram à derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua tentativa de reeleição têm mostrado algo que já tinha ficado claro ao longo dos últimos meses: hoje, no Brasil, a direita tem um potencial de mobilizar o povo para as ruas maior do que a esquerda. Apesar dessa capacidade de engajamento, ainda há âmbitos da sociedade cruciais para as disputas de poder em que a direita está longe de ameaçar a hegemonia esquerdista.

Isso começa no enorme desequilíbrio ideológico nas universidades, especialmente nos cursos relacionados às humanidades – um fato comprovado por números e pelos diversos casos de perseguição relatados por alunos de direita. O resultado é que as faculdades de direito, pedagogia, comunicação, filosofia e ciências sociais produzem em série profissionais com viés ideológico que dominam tribunais, escolas, jornais, mercado editorial e cátedras universitárias de todo tipo.

Não por acaso, teorias modernizantes do direito contrárias à ética clássica invadem as cortes brasileiras e convertem o ativismo judicial no novo padrão. Nos meios de comunicação, a realidade também é pouco animadora para a direita: pesquisa recente mostrou que uma maioria esmagadora de jornalistas é abertamente de esquerda (81%), e os profissionais que se dizem de direita são só 4%.

“Os principais espaços em que eu acho que a direita ainda tem muito a avançar são as esferas de produção do imaginário, e isso envolve a universidade e a imprensa, a comunicação jornalística. Houve um avanço nesse sentido, mas eu, que fiz faculdade de jornalismo, vejo os principais veículos para onde foram os meus colegas, vejo o que eles aprenderam, vejo com que mentalidade os jornalistas são formados na faculdade, e sei que é um caminho muito longo para ser percorrido. Prova disso é a quantidade grande de veículos, hoje, na imprensa brasileira que não se manifestou devidamente, não se manifestou à altura, perante os desmandos e os autoritarismos que o Judiciário vem perpetrando”, afirma Lucas Berlanza, presidente do Instituo Liberal.

Para o professor e escritor Francisco Escorsim, colunista da Gazeta do Povo, a direita já conseguiu criar “um ecossistema à parte” ao de universidades no campo da formação, mas a hegemonia esquerdista ainda é clara nos meios acadêmicos formais.

“Há cursos livres de direito, filosofia… Você vai encontrar várias possibilidades de fazer cursos de formação que não são chancelados dentro do sistema educacional, não dão diploma etc. Isso permite à direita crescer, ganhar seu sustento, mas não é, ainda, uma ocupação dentro do sistema educacional, efetivamente falando. Precisa muita coisa acontecer para que a direita passe a fazer parte do meio formal acadêmico universitário”, diz. “Nos meios de comunicação, você tem um ou outro órgão com uma visão um pouco mais à direita, mas isso é dos donos dos veículos, de alguns colunistas, das opiniões que estão ali. Quando a gente vai ver o chão da redação, a grande maioria ainda vai ser de esquerda. Existe aí uma imensa área para o pessoal de direita ocupar. E, nas universidades, a mesma coisa. É um erro da direita achar que a universidade é uma grande porcaria, que a imprensa é uma grande porcaria… Não. Isso sempre existirá, e é preciso fazer parte disso”, acrescenta Escorsim.

Falta de ações sociais e de partido político também prejudicam a direita

Eduardo Matos de Alencar, doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), identifica quatro campos em que a direita ainda perde de goleada para a esquerda: a presença em universidades, a promoção de ações sociais, a formação política de base em comunidades e bairros e a constituição de partidos políticos.

“Com certeza as universidades são um problema sério hoje em dia, até pelo seu caráter autopoiético, ensimesmado, fechado em si mesmo”, diz. “Eles formam os doutores com o perfil que eles querem, aceitam os projetos com o perfil que eles mais acham adequado e colocam para dentro os professores que multiplicam esse mesmo perfil. Não tem a menor chance de haver diversidade nesses ambientes, na forma institucional que a gente tem hoje.”

Para Alencar, a direita pode buscar maior democratização desses espaços “tendo mais gente formada, mais gente com autoridade, disputando espaço, fazendo pesquisa, teses, dissertação, monografia, artigos acadêmicos, fundando revistas etc.”

Na sociedade civil, segundo ele, a direita deve “se apropriar dos mecanismos existentes, que hoje já estão acessíveis, se ela for atrás”. “A direita precisa aprender a aprovar projetos de lei de incentivo à cultura. Precisa aprender a fazer projetos sociais. Precisa ganhar capilaridade em favelas, em comunidades e associações de bairro”, diz. “Há um potencial que eu verifico como muito forte na organização de bairro em grupos de WhatsApp, para defesa comunitária, que se organizam pra vigiar uma rua, por exemplo… Eu acho que a direita tem muito espaço para crescer nisso aí”, acrescenta.

Outro âmbito fundamental, segundo Alencar, é a estruturação de um grande partido de direita no Brasil. “O PL, hoje, ainda é um agregado, um balaio de gato que soma políticos tradicionais do centrão com políticos bolsonaristas e conservadores. Não é nem de longe um partido que tenha uma estrutura que permita que fundações operem com eficiência, que possam produzir material, que possam conduzir o debate público, que haja um trabalho de base, de formação de base, de seleção de novas lideranças, que haja burocracia com possibilidade de participação para que o partido possa se estruturar em nichos programáticos que correspondam mais aos anseios dessa parcela da população”, diz.

Para Lucas Berlanza, mesmo nos espaços que a direita já ocupou, ainda há muito a se fazer para que essa ocupação seja equilibrada. “Por exemplo, o mercado editorial: eu sinto que houve um boom de livros à direita no auge da crise do PT e começo do governo Temer, mas eu sinto que houve um arrefecimento desse processo. Vejo muito mais livro de esquerda aparecendo agora e tendo destaque nas livrarias. Então, até onde a gente tinha entrado bem, eu sinto que houve certa queda de fôlego da direita nesse campo”, afirma.

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