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 | Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo
| Foto: Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo

Em maio deste ano, o paranaense Toni Reis, 47 anos, foi um dos primeiros a registrar a união homoafetiva no país, após decisão unânime do Supremo Tribu­­nal Federal. Não poderia ser diferente. Toni vem de uma longa trajetória de luta pelos direitos dos homossexuais. Desde 2006, é presidente da Associação Bra­­sileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (ABGLT), posto que o levou ao centro do poder, em Brasília, e a conseguir o apoio do ex-presidente Lula ? a quem chama de ?amigo?. » Vídeo:Toni Reis fala sobre a descoberta da sexualidade» Fotos:confira o ensaio fotográfico com Toni Reis» Fotos:veja os bastidores da entrevista Nascido em Coronel Vivida, no Sudoeste do Paraná, o ativista passou a infância e a adolescência no interior, ora em Pato Branco, ora em Quedas do Iguaçu. Foi nesse ambiente de gaúchos, como diz, que percebeu sua diferença. E não só na sexualidade: aos 14 anos, ao se ver excluído pelos colegas na hora do futebol, decidiu comprar uma bola e fazer o seu próprio jogo. Naquela época, um médico lhe avisou: para não ser discriminado, teria de sair da cidade e estudar. Em Curitiba, Toni Reis se formou em Letras pela Universidade Federal do Paraná. Depois se mu­­­dou para a Europa, onde viveu seis anos e conheceu seu companheiro, David Harrad. De volta à capital, fundou o Grupo Dignidade. Era 1992 ? o ano em que Toni Reis ?tirou o Paraná do armário.? Como você paga suas contas? Casei com homem rico (risos). Estou brincando. Eu e o David temos uma empresa de tradução e também faço consultoria e palestras na área da sexualidade. Quando descobriu que era gay? Tinha 14 anos e não era escolhido para jogar futebol. Cheguei para minha mãe e falei: ?Sou estranho, doente, pecador e sem-vergonha. Eu sou gay.? Ela respondeu: ?Você realmente é sem-vergonha, pecador e doente?. Me levou a um médico de Pato Branco para me curar. E estou aqui bem gay, um líder gay. Foi uma situação complicada: sou do Sudoeste do Paraná, uma região de gaúchos, de família conhecida. O doutor Antônio Freire me falou: ?Essa é apenas uma variante da sua sexualidade e você vai ter que ir para uma cidade grande, estudar para ser respeitado. Se for pobre e ficar no interior será muito discriminado.? Você queria ser padre... Queria. Mas contei para o meu diretor espiritual que eu era gay. Ele disse que eu não poderia ser padre. Um outro padre, o Sigis­­mundo, falou que o que eu sentia era doença e pediu para eu fazer novena para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Quando contava para ele que eu tinha desejos pelo Tony Ramos ele me mandava voltar para o primeiro dia da novena. A novena virou uma quarentena. Foi sua única tentativa? Não. Me falaram de um pastor que curava de tudo. Fui lá e o pastor falou: ?Aqui tem um cara com catarata, um com epilepsia e um guri com um problema sério que eu não vou falar qual é. Mas vamos orar por ele.? Fui a um terreiro e o pai de santo falou que eu tinha pomba-gira com duas cabeças desgovernadas. Pensei no suicídio três vezes. Hoje, se aparecer a cura, não quero me curar. Você foi discriminado? Me formei em Letras pela Uni­­­versidade Federal do Paraná, participei muito do movimento es­­­tudantil e fui presidente da Casa do Estudante Universitário, a CEU. Fui candidato a presidente da casa e todo mundo sabia que eu era gay. Nos debates, di­­­­ziam: ?Não podemos ter um homossexual presidente?. Foi muito triste. Hoje, Toni Reis é recebido nos mais diversos segmentos da sociedade. Como você consegue? Tenho que trabalhar, produzir, escrever e me articular. É preciso ter uma causa e entendê-la. Agora, a minha causa é aliar a ALGBT com outros movimentos. Daqui a dois anos eu me aposento da liderança nacional, mas vou trabalhar com educação. A educação é a solução para muitos problemas no Brasil. Como é a relação com sua família? Aos 14 anos, minha mãe me levou a um médico para me curar. E quando eu tinha 27, ela se propôs a casar com o meu marido [para ele conseguir o visto de permanência no Brasil]. Se minha mãe mudou, eu creio que a sociedade também pode mudar. Meus familiares me reconhecem. Fiz um curso superior, especialização, mestrado e estou concluindo meu doutorado. Alguns aceitam e outros respeitam. E uma das nossas grandes reivindicações é que as pessoas nos respeitem. Aceitar é muito difícil. Qual a sensação depois de ter oficializado sua união civil? É bacana. Meu amor pelo David continua o mesmo. E agora temos a documentação. Tem a questão do nosso patrimônio. Queremos filhos e estamos no processo de adoção. Em breve vamos ter mais uma resposta. Se perdermos, vamos recorrer. O que emperra o debate LGBT no Brasil? A questão religiosa e a heteronormatividade. Nós somos criados para ser heterossexuais. Sabemos que 10% da população é homossexual. Se hoje temos cerca de 1,8 milhão de habitantes em Curitiba, 180 mil são LGBTs. Nos­­­sa criação, educação, as propagandas na televisão, as novelas, tudo é feito para os heterossexuais. Inclusive, nós gays, lésbicas, travestis, muitas vezes pensamos de uma maneira heteronormativa, querendo copiar o mundo hétero. A outra questão é a religião. Na Idade Média, éramos queimados na fogueira pela Santa Inquisição, depois fomos tratados como criminosos e até o dia 17 de maio de 1990 a homossexualidade era considerada uma doença. Ainda tem muito esse rescaldo cultural de tratar a gente como pecador, como sem-vergonha, fora da norma e doente. Qual sua opinião sobre o kit anti-homofobia, que foi barrado pela presidente Dilma? Nós queríamos fazer um trabalho com os professores, com um material dirigido a eles. E a Dilma recebeu, pelo deputado federal Garotinho (PR-RJ), uma série de materiais de prevenção à aids relacionado à prostituição e drogas e colocou o kit do ?Escola sem homofobia? junto. A Dilma viu aquilo e disse ?vamos suspender?. Agora, nós estamos em diálogo com a presidência. Vamos ampliar o trabalho. Qual a sua avaliação do governo da presidente Dilma em relação às ações LGBT? No governo Lula tivemos um salto grande, pois ficamos na pressão e cobrando dos ministérios. Hoje, nós temos um plano nacional LGBT e a participação de 18 ministérios. A presidente Dilma está seguindo isso. Teve o revés do kit, mas por pressão. Havia um contexto político. E foi a presidente Dilma que falou que o Garotinho chantageou: ?Temos 80 votos. Se não fizerem isso [barrar o kit], vamos fazer aquilo [assinar a criação da CPI do ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci]?. Aí, ela suspendeu e agora vamos ampliar o kit. Do limão, a limonada. Como você vê a influência da religião em questões políticas no Brasil? Sinceramente, acho que as pessoas devem ter seus valores, mas religião não dá para misturar com política. É inconstitucional ter uma frente parlamentar evangélica. Isso não ajuda a democracia. É claro que quando um evangélico é eleito, ele vai levar seus valores e pode votar com a sua consciência. Mas nós não podemos tornar o Brasil uma teocracia. Temos judeus, católicos, o pessoal de matriz africana e pessoas ateias, que devem ser respeitadas. Quanto a seus adversários políticos... Eu converso com todo mundo. Talvez, a pessoa mais chata do Brasil seja o Jair Bolsonaro (PP-RJ). Mas é uma pessoa que não tem credibilidade nacional. Dentro do Congresso, ele já mandou o Fernando Henrique Cardoso para o paredão para ser fuzilado. Na última semana, a deputada estadual e atriz Myrian Rios comparou homossexuais a pedófilos. O que diz? O novelista Walcyr Carrasco foi muito feliz ao falar que ela é burra, embora não seja essa a minha opinião. Ela é uma mulher mal-informada. Não quero ser moralista, mas se olhar para o passado dela não a contrataria para ser a babá dos meus filhos. Espero que um dia ela venha para a luz.

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